São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fundação estatal não fortalece o SUS

FRANCISCO BATISTA JÚNIOR


A proposta, se aprovada, pode dificultar ainda mais o controle social sobre as instituições financiadas com o dinheiro público


O PROJETO de lei complementar (92/2007) que propõe a criação de fundações estatais de direito privado para a gestão de nove áreas do serviço público, enviado pelo Executivo ao Congresso em 11 de julho, não colabora para a melhoria do atendimento à saúde no país.
Ao contrário, setores importantes da área da saúde observam na proposta o risco de, se aprovada, dificultar ainda mais o controle social sobre o gerenciamento das instituições financiadas com o dinheiro público. Se, por um lado, a não-sujeição das fundações estatais à Lei de Responsabilidade Fiscal agiliza a prestação de serviços, segundo o argumento dos defensores do projeto, por outro, facilita o uso inadequado dos recursos públicos, cuja origem e repasses também não estarão assegurados no orçamento fiscal. Que conceito de autonomia administrativa se pretende com essa proposta?
Em artigo recente nesta Folha ("Tendências/Debates", 12/8), o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, lembra que, na década de 1990, "proliferaram fundações privadas de apoio que acabaram por desempenhar funções administrativas ao lado da administração do hospital, utilizando dinheiro público do SUS. (...) foi uma estratégia que buscou contornar os constrangimentos da administração pública, ainda que tenha possibilitado aos hospitais não só recompensar a qualificação profissional mas também transformar serviço em referencial de excelência".
Várias dessas gestões são atualmente objeto de auditorias do Ministério Público, das secretarias estaduais e do próprio Ministério da Saúde, apontadas por denúncias de irregularidades na compra de equipamentos com superfaturamento ou contratações de serviços com valores acima do mercado.
Se a administração pública está constrangedora, cabe melhorá-la. O que não cabe é o artifício "oficial" para burlar leis e apressar processos que precisam do controle social e de órgãos competentes de fiscalização.
A criação do SUS, com diretrizes de funcionamento que passam por ações tripartites (federal, estadual e municipal), fez do Brasil a única nação a garantir, na lei, desde o atendimento básico à saúde aos serviços de alta complexidade a todos. Todas as classes sociais são usuárias do sistema, com ampla cobertura.
O ministro diz que o modelo de administração direta está "em fase terminal" e "não atende à expectativa do cidadão de ter um atendimento de qualidade, não atende aos profissionais de saúde, que se vêem em condições indignas, desmotivados com salários baixos, e não atende aos interesses dos gestores".
Um dos graves problemas do sistema são as relações precárias de trabalho, com profundas distorções de remuneração que desestimulam e desestruturam o quadro profissional. O projeto sugere, com contratações celetistas e segundo regras estabelecidas por cada uma das fundações, o aprofundamento das distorções, com a possibilidade de remunerações diferenciadas dentro de um mesmo serviço e de uma mesma categoria.
Entendemos que todos os trabalhadores merecem salários compatíveis, e os usuários, atendimento de excelência. Se há falhas na direção de instituições ou no trabalho de servidores, cabe cumprir as leis 8.112 (do servidor) e 8.080/90, que criou o sistema, além da própria Constituição. O sistema precisa de ações para seu aprimoramento, como as sugeridas por conselheiros nacionais de saúde durante seminário de modalidades de gestão, realizado neste mês.
Entre as propostas, estão a defesa de que seja estatal e 100% SUS, com o fortalecimento do papel do Estado na prestação de serviços de saúde e financiamento exclusivamente público, operando com só uma porta de entrada; que se assegure a autonomia de gestão aos serviços, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas e a autonomia dos gestores do sistema de cada esfera de governo em relação à gestão plena dos respectivos fundos de saúde e das redes de serviços; que se garanta a valorização do trabalho em saúde pela democratização das relações de trabalho e que a ocupação dos cargos diretivos se dê por critérios técnicos.
Desde o nascimento do SUS, há 17 anos, procurou-se, no gigantesco território do Brasil, a adequação das instalações de saúde com respeito às diferenças regionais e culturais. No caminho para a 13ª Conferência Nacional de Saúde, em novembro, torna-se urgente a luta por seu aprimoramento. Reconhecer suas virtudes e complexidades e entender que, afinal, somos todos potenciais usuários são passos seguros na defesa de sua existência e na garantia de sua ampliação.

FRANCISCO BATISTA JÚNIOR , 52, farmacêutico, pós-graduado em farmácia pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), é presidente do Conselho Nacional de Saúde e servidor do hospital Giselda Trigueiro, da rede do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Norte.

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