São Paulo, quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Censura prévia é inadmissível

JUDITH BRITO


Nossa denúncia e combate são contra a censura prévia que vem sendo exercida por alguns juízes, em total desrespeito à Constituição


CARLOS HEITOR Cony criticou na página aqui do lado, a dos articulistas desta Folha, a veemência daqueles que, tal como a ANJ (Associação Nacional de Jornais), vêm reclamando contra violações à liberdade de imprensa no Brasil.
Disse estar havendo "exagerado fervor de certos setores da imprensa em reclamar de processos ou de sentenças da Justiça, considerando violação de uma liberdade a qual todos têm direito". Lembrou ainda Cony que "o fato de um juiz aceitar um processo não é uma violação" ("Liberdade de imprensa", pág. A2, 20/8).
Ele está absolutamente certo ao assinalar que todos têm direito de recorrer à Justiça quando se julgam caluniados ou vítimas de mentira ou equívoco divulgados por veículos de comunicação. E está certa também a Justiça quando pune, nos termos da lei, quem usa do direito à liberdade de expressão para caluniar ou divulgar mentiras. O bom jornalismo é feito com responsabilidade.
Ocorre que os reiterados protestos da ANJ e de tantas outras entidades representativas da sociedade, como a OAB, não são contra essas situações.
Nossa denúncia e combate são contra a censura prévia que vem sendo exercida por alguns juízes, em total desrespeito à Constituição.
Diz o artigo 220 da Constituição que "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição". Esse é um princípio clássico do Estado de Direito e das verdadeiras democracias. Ou seja: todo mundo tem direito a dizer o que quiser e não cabe a ninguém definir previamente o que pode ser dito.
Outra coisa completamente diferente é o fato de que todo mundo também está sujeito a punições e aos rigores da lei caso use esse direito supremo da liberdade de expressão para caluniar ou mentir. Para esses casos, cabe recorrer à Justiça, que poderá aplicar a legislação de danos morais e/ou o direito de resposta. A ampla e irrestrita liberdade de expressão, portanto, não é um direito absoluto, mas precede os demais.
É assim nas democracias porque o direito geral da sociedade de ser livremente informada está acima dos direitos individuais. Eventualmente, esse princípio maior pode implicar danos à honra ou à imagem de alguém. Esse é o preço de vivermos em plena liberdade. Mas ele é pago -como já se disse- pela legislação de danos morais e de direito de resposta. É um princípio simples e muito sábio, que coloca o interesse público em primeiro lugar.
Tomemos como exemplo o recente caso da decisão de um desembargador do Distrito Federal de proibir o jornal "O Estado de S. Paulo" e toda a mídia brasileira de divulgar fatos relacionados à investigação da Polícia Federal relativa ao empresário Fernando Sarney. Alguém tem dúvida de que isso é de interesse público?
Mais do que isso, não cabe a ninguém decidir previamente se o direito individual de quem quer que seja está sendo ferido pela divulgação de informação. Esse julgamento só pode se dar posteriormente à divulgação.
Assim como a eventual punição.
É contra esse tipo de situação, da censura prévia por meio de sentenças judiciais, que protestam a ANJ e tantos outros setores da sociedade. O impedimento da divulgação de informações é censura pura e simples.
Essas sentenças liminares acabam sendo revogadas por instâncias superiores do Judiciário. Mas, por menor que tenha sido o período de tempo de exercício da censura, o mal já foi feito. A sociedade foi tolhida no seu direito de ser livremente informada.
Cony cita em seu artigo os 31 casos de violação à liberdade de imprensa ocorridos nos últimos 12 meses e denunciados pela ANJ. Desses, 16 foram de decisões da Justiça de censura prévia. São números eloquentes e inadmissíveis. Além desses casos de censura, houve outros, como prisão de jornalistas no exercício da profissão, agressões e atentados.
A ANJ, cumprindo sua missão de sempre defender a liberdade de imprensa como direito de toda a sociedade, seguirá denunciando, protestando e buscando conscientizar todos da importância fundamental da mais ampla liberdade de expressão.
Esses casos não significam que não vivamos em pleno regime democrático. Mas é preocupante o grande número de decisões judiciais de censura prévia. Cony lembra que na época da ditadura a situação era muito pior. É verdade, e a ANJ tem muito orgulho de ter contribuído nesses seus 30 anos de trabalho para que o Brasil de hoje seja muito melhor do que o daquele triste período.
Mas isso não significa que não devamos continuar a lutar e combater tudo aquilo que signifique violação ao interesse maior dos cidadãos de serem livremente informados. Continuaremos a fazê-lo, mesmo que seja apenas um caso a cada 12 meses.


JUDITH BRITO , 51, é presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha .


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