São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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MARTA SUPLICY

Insensato coração

"Então eu sou laranja, como a Haydê (mãe honesta da Natalie)?" Com esta pergunta ao delegado que a acusava de possuir imóvel caríssimo, do qual não tinha conhecimento, dona Joana tornou claro como o didatismo do novelista Gilberto Braga atinge os brasileiros em relação às malfeitorias.
Se outras situações desen- roladas na novela foram compreendidas com a nitidez com que essa senhora entendeu a falcatrua de Cortez (o banqueiro bandido), "Insensato Coração" prestou enorme serviço à sociedade brasileira.
Para o bem ou para o mal, as novelas no Brasil são o maior formador de opinião. E esta abordou questões como homofobia, amor entre idades diferentes, liberdade sexual, racismo, corrupção, amor "pastel" -como diria José Simão-, arrivistas e psicopatas.
Vamos iniciar com André, o bem-sucedido galã negro. A questão raça surge de forma interessante. Não é mencionada. Vem no galã negro bem-sucedido. Quebra o preconceito sem dizer uma palavra.
A doença do amor pervertido poderia ser num homem, daqueles que mata a mulher que o abandona, mas veio na Norma, obcecada por uma rejeição que a leva ao aniquilamento. Assim como as mães antagônicas Haydê -que tenta proteger dois inúteis-, Wanda -que projeta seus delírios no filho Leo, um psicopata- e Eunice -a hipócrita escaladora social.
E a mãe do homossexual que não admitia ser e que se descobre, para desespero dela, que era amigona dos gays? Até ter o seu. A trama mais desafiadora, a compreensão da homofobia, a descoberta da própria intolerância, a luta pessoal contra o preconceito, é de uma acuidade que faz jus à ode a Gilberto Braga.
Nada seria mais didático sobre essa perseguição sanguinária que o Brasil vive contra homossexuais do que as emoções e as dificuldades dos personagens da trama gay. E a possibilidade de resgate do homofóbico com o personagem Kléber, que se vê pai de um.
A atual liberdade sexual passa pela jovem Cecília, que não sabe colocar limites, por sua irmã estilista, que não tem limites, até a madura Carol, que sabe o que quer e busca construir uma família -que é resgatada nas últimas falas da avó, já conformada que as famílias não serão como antes.
Favorita de todos, a periguete Natalie, misto de deslumbrada, ingênua e depravada, é eleita a deputada mais votada. Pronto. É o ponto máximo de que pode, sim, ficar pior. O feixe de ouro da esculhambação dos políticos.
Com a TV, instrumento da modernidade, o nosso Balzac reproduz sua época e os costumes de nosso tempo -que está em mudança, como constata minha netinha Laura: "Vó, o Cortez teve um final diferente da Clara de "Passione". Ela acabou solta, de frente para uma praia fora do Brasil".

MARTA SUPLICY escreve aos sábados nesta coluna.


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