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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
debates@uol.com.br
O apoio de Lula será um fator decisivo
nas eleições municipais deste ano?
SIM
Do amor na política
RENATO LESSA
NOS IDOS do império, nos quais
eleições razoavelmente limpas configuravam-se como
impossibilidades existenciais, houve
uma que se destacou das demais na
arte de produzir desrepresentação.
A coisa passou-se nos anos 40 do
século 19, sob o consulado de Alves
Branco e de seu partido -o Liberal-,
que impôs aos seus adversários um
massacre eleitoral de tal monta que o
evento acabou consagrado na crônica
da bestialogia nacional como "as eleições do cacete".
Ante a grita dos massacrados, que
acusavam o governo de manipulação
eleitoral, o liberal ministro foi didático: não há que confundir o princípio
das "maiorias por compressão" -artificiais e obtidas pela força- com o
das "maiorias de amor" -que resultam de modo natural do "princípio da
gratidão". E era este, é claro, o caso.
Bastaram a Alves Branco apenas
um partido, alguma desfaçatez e muita fraude para desfrutar de seu experimento amoroso. Ao presidente Lula
bastam os incontáveis partidos de sua
base parlamentar, uma popularidade
pessoal crescente e uma vocação política para o "unanimismo". Parece não
haver queixas diante do experimento
amoroso revivido na safra 2008: qual
dos candidatos a prefeito das capitais
se apresenta como desafeto de Lula?
No início de setembro, dava-se como provável a vitória do presidente
em 20 das 26 capitais. Engana-se o
leitor que supuser que nas demais se
exerce a republicana praxe do contraditório político-eleitoral. Está aí o
candidato do PSDB à prefeitura de
Teresina, Silvio Mendes, a ser processado pelos rivais petistas... pelo uso
positivo da imagem do próprio Lula.
A faca na boca e a espuma no canto
dos lábios, dos idos de 2005, desapareceram, por ora, da cena nacional.
Nas capitais nas quais o bloco do
presidente lidera, dois casos interessantes devem ser considerados. O de
Kassab é pungente. O gerente da urbe
paulistana declara abertamente seu
amor por Lula. Teve o cuidado de
compensá-lo com menções afetuosas
a José Serra e a Fernando Henrique
Cardoso, mas nada que dissipe a sensação de que vivemos eleições sem
política, sem algo que ultrapasse a
medíocre cultura da gestão.
No Rio de Janeiro, um ex-deputado
hidrófobo da CPI do Mensalão se
apresenta como esteio da colaboração município-Estado-União. Ao lado
do "governador-que-ri" -o boa-praça
Sérgio Cabral Filho-, o candidato do
PMDB sente-se inteiramente à vontade para incluir Lula em seu panteão. Para completar o cafarnaum habitual carioca, Lula torce por Marcelo
Crivella e sua versão do teológico-político. A ver navios, ficam partido do
presidente e dois aliados, desde os
tempos magros: o PC do B e o PSB.
O conjunto dos mais de 5.000 municípios submetidos à temporada de
captura de sufrágios, versão 2008,
configura um vasto e variado mundo
cuja complexidade recomenda não
acreditar que algum fator comum,
por mais forte que seja, possa definir
os resultados. É prudente supor que
fatores locais poderão ter papel relevante nas escolhas dos eleitores, para
além da gratidão a um presidente tão
popular.
No entanto, a base aliada é tão ampla que mesmo a escolha movida por
fatores locais, por parte dos eleitores,
acabará por escolher algum amigo do
presidente. A situação é curiosa: ficaremos a olhar para os votos, como um
boi a olhar para um palácio, e a perguntar o quanto de avaliação política
local e o quanto de gratidão interferem em sua alquimia.
Volto ao caso do Rio: aqui, com certeza, ganhará algum "amigo" do presidente. Não importa se neo-amigo,
muy-amigo ou companheiro-amigo:
o fato é que a tintura de "unanimismo" que caracteriza a base político-partidária e parlamentar do presidente e determina a sua extensão acabará por camuflar as motivações
"reais" do eleitor.
Sendo assim, como não considerar
o presidente como relevante na configuração do resultado? Se dúvida ainda houver, ouçamos o silêncio e a prudência de seus inimigos e adversários.
Estranho modo de "consolidar" a democracia, não?
RENATO LESSA , 54, doutor em ciência política, é professor titular de teoria e filosofia política do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e da UFF
(Universidade Federal Fluminense) e presidente do Instituto Ciência Hoje.
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