São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Liberdade, eqüidade e fraternidade

EDMAR PRADO LOPES

"As forças mais novas e talvez mais importantes da sociedade civil global chamam-se organizações não-governamentais (ONGs) (...) Podemos defini-las como qualquer organização que pretende representar o povo e trabalhar seu interesse à parte das estruturas de Estado."
Antonio Negri e Michael Hardt ("Império")

 

Em 20 de setembro, o Banco Mundial publicou seu relatório "Eqüidade e Desenvolvimento", que trata das questões de desenvolvimento sustentável no longo prazo. Mostrando um retrato da atual desigualdade entre nacionalidades, raças, gêneros e grupos sociais, o documento traz o Brasil como um dos destaques negativos. Somos apontados como um dos campeões mundiais da desigualdade, com índices semelhantes àqueles da África e a inconteste liderança na América Latina.


O terceiro setor avançou. As idéias e ações de responsabilidade social se disseminam pela sociedade


O relatório aborda também o conceito de eqüidade, diferente de igualdade. Eqüidade não é igualdade. Eqüidade é, de acordo com o banco, "a igualdade de oportunidades para as pessoas" e, mais do que buscarmos a igualdade de renda simplesmente, devemos ampliar os investimentos em saúde e educação e o acesso à Justiça, à propriedade e à infra-estrutura de serviços básicos.
Toda vez que vem a público um relatório dessa natureza, olhamos o "copo meio vazio" e dificilmente atentamos para as nossas coisas boas. Nelson Rodrigues, em seu ufanismo habitual, chamava isso de "síndrome do vira-lata". O "anjo pornográfico", tendo como referência o mundo do futebol, atacava de forma contundente a baixa auto-estima tupiniquim e um certo imobilismo geral diante das adversidades. Nós gostamos de ser os pentacampeões do futebol e não os campeões da desigualdade. Mas será que nos tempos do "quadrado mágico" na seleção brasileira há alguma notícia boa vindo do campo social?
Há, e como quase sempre, passou despercebida por todos nós.
Algumas das boas notícias vêm do terceiro setor da economia. Aquele que, formado por ONGs, fundações e institutos e financiado com recursos privados, trata de interesses públicos. Os números são vigorosos e eloqüentes.
Em 2004, o IBGE e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), em parceria com a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais) e com o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), apresentaram o estudo intitulado "As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil - 2002".
Pela primeira vez, seguindo critérios internacionais, temos números e estatísticas, além de uma proposta de classificação dessas entidades, as quais muito têm feito pelo Brasil. Mais do que isso, o relatório mostra a relevância econômica desse setor. Vamos aos dados.
O primeiro dado importante é o crescimento do número de instituições. Em 1996, elas eram 105 mil. Em 2002, já somavam 276 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos (Fasfil) no Brasil, representando um aumento de 157% no período em questão. Essas instituições têm como características serem privadas, sem fins lucrativos, institucionalizadas, auto-administradas e voluntárias, na medida em que podem ser constituídas livremente por qualquer grupo de pessoas. As Fasfil representam 5% das organizações formalmente cadastradas no país.
A maioria dessas instituições é de pequeno porte. 77% delas não têm empregados, levando-nos a pensar que uma parcela significativa dos serviços prestados por essas organizações é realizada por meio de trabalho voluntário ou informal. A hipótese é reforçada pela pesquisa de Landim e Scalon (2000), cujos dados indicam que o número de voluntários no Brasil é de 19,7 milhões de pessoas, dos quais 71% trabalham em organizações sem fins lucrativos.
No período analisado, as Fasfil criaram 500 mil novos empregos. O número total de trabalhadores no terceiro setor saltou de 1 milhão para 1,5 milhão, correspondendo a um crescimento de 48%. O pessoal ocupado pelas Fasfil já representa 5,5% da mão-de-obra ocupada no país. Apenas para efeito comparativo, em 2002, as estatísticas apontavam 500 mil servidores públicos federais na ativa. É quase a população inteira de Sergipe, por exemplo.
As Fasfil são relativamente novas, pois 62% delas foram criadas a partir da década de 90. Esse crescimento é resultado do processo de redemocratização da década de 80 e do conseqüente aumento da participação da sociedade civil organizada. Essas organizações têm atuado em saúde, educação, defesa de direitos, atividades religiosas e assistência social, entre outros. As Fasfil têm atuado, preferencialmente, naqueles temas que o Banco Mundial elegeu como fundamentais para a construção de um ambiente de eqüidade e crescimento sustentável. O crescimento do terceiro setor é bom para todos e complementa as políticas do governo no campo social.
O "copo está meio cheio". O terceiro setor avançou. As idéias e ações de responsabilidade social se disseminam pela sociedade. Bons exemplos se multiplicam. O "homem cordial" brasileiro, conforme descrito por Sérgio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil", foi a campo e fez. Podemos nos convencer de que, além do futebol, o brasileiro tem outros bons exemplos a dar ao mundo.

Edmar Prado Lopes, 41, engenheiro, é gerente de Planejamento da Fundação Roberto Marinho.


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