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TENDÊNCIAS/DEBATES
Segundo mandato
HELIO JAGUARIBE
Salvo um imprevisto de caráter explosivo, o presidente será reeleito. O que significa um segundo mandato de Lula?
NA DATA em que escrevo este
artigo, a última pesquisa Datafolha (nos jornais de 25/10)
apresenta Lula com 58% dos votos totais e 61% dos votos válidos, contra
37% e 39%, respectivamente, de Alckmin. Salvo um imprevisto de caráter
explosivo, altamente improvável, o
presidente será reeleito. O que significa um segundo mandato de Lula?
A questão apresenta dois principais
aspectos. O primeiro se refere ao entendimento de como -a despeito da
ininterrupta onda de escândalos que
marcou seu governo e a despeito de
sua gestão se ter caracterizado pela
quase completa estagnação do país e
total desatendimento de nossas necessidades infra-estruturais, de saúde, de saneamento, de educação e de
cultura- foi possível para Lula obter
uma previsão de 61% dos votos válidos. O segundo aspecto a considerar
diz respeito ao que se possa esperar
de um segundo mandato de Lula.
O primeiro aspecto comporta uma
resposta satisfatória. Decorre ela do
fato de a sociedade brasileira estar dividida em dois grupos: dois terços dos
brasileiros se encontram em estado
de completa ou extremamente precária educação, e apenas um terço dispõe de um nível educacional comparável ao dos povos do sul da Europa.
A dramática deseducação desses
dois terços de nossos concidadãos
lhes acarreta duas principais incapacitações: 1) a do exercício de atividades não rudimentares, com decorrente nível extremamente baixo de remuneração; 2) a de um entendimento
mínimo dos problemas nacionais, ficando a atenção desses brasileiros
voltada, exclusivamente, a questões
atinentes à imediata sobrevivência.
Para esses dois terços, quase todos
os aspectos negativos do governo Lula passam desapercebidos, e o pouco
de que venham a se inteirar lhes é indiferente. Nessas condições, os eleitores desse grupo dirigem aos candidatos uma única questão: que tenho
eu, minha família e meu grupo a ganhar? A resposta óbvia é: tudo com
Lula, nada com Alckmin.
O outro terço, satisfatoriamente
educado, faz outro tipo de questão:
que tem o Brasil a ganhar com Lula ou
com Alckmin? A resposta, igualmente óbvia, é: muito pouco com Lula, e
bastante com Alckmin. Essas duas
propostas explicam por que Lula deverá ter 61% dos votos válidos, e Alckmin, apenas 39%. Os terríveis efeitos
da deseducação de dois terços dos
brasileiros continuarão a se fazer sentir enquanto os excluídos da educação (e de modalidades superiores de
cidadania) não lograrem um nível satisfatório de educação.
Constitui gravíssima responsabilidade das elites -pela qual estão e
continuarão pagando um alto preço-
o fato de, desde a abolição, nada terem feito de relevante para a educação das grandes massas. A incorporação dessas grandes massas a níveis
minimamente satisfatórios de educação vai requerer, na melhor das hipóteses, três gerações. Como assegurar,
durante esse largo período, condições
razoáveis para a vida pública do país?
Não há solução mágica, mas, certamente, melhoramentos importantes
tenderão a resultar de uma ampla e
profunda reforma do sistema eleitoral e do regime dos partidos políticos,
algo que se apresenta como de suprema importância e urgência.
Regime distrital simples ou misto,
legislação eliminadora de partidos de
aluguel, fidelidade partidária, financiamento público de campanhas e
dispositivos legais que conduzam, em
cada legislatura, se nenhum partido
obtiver maioria absoluta, à formação
de uma coligação majoritária, com
programa e liderança únicos. Esses
temas são hoje objeto de amplo consenso. O que falta é vontade política.
Restaria a considerar, muito sucintamente, o que possa vir a ser o segundo mandato de Lula. Se abordarmos a
questão a partir da extrema inteligência do presidente reeleito, a resposta
tenderia a ser favorável.
Lula não tem outro mandato a disputar e dispõe da última oportunidade para se alçar a um nível de grandeza histórica. Cercar-se de gente extremamente idônea e competente e propor ao país um projeto de desenvolvimento econômico-tecnológico e sociocultural seria algo que lhe granjearia o apoio geral do Brasil e compeliria os adversários a respeitá-lo.
Iniciando o segundo governo com
um alto nível de descrédito pessoal e
baixíssima confiabilidade, não será
com conchavos políticos que Lula poderá obter condições de governabilidade, e sim mediante um grande e
confiável programa de governo.
Será esse o caminho de Lula? A experiência passada não permite, até
prova em contrário, supor que o segundo mandato não seja algo de igual
ou pior que o precedente. Como ocorre com todo novo governo, Lula disporá de cem dias para dizer a que veio.
HELIO JAGUARIBE, 83, sociólogo, é decano emérito do
Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ), membro da
Academia Brasileira de Letras e autor de, entre outras
obras, "Brasil: Alternativas e Saídas".
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