São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A política econômica do governo Lula é antidesenvolvimentista?

NÃO

Política econômica não é panacéia

ROBERTO PADOVANI

O Brasil está virando uma página em sua história. Até alguns anos atrás a política econômica era tudo e podia tudo. Diante da forte instabilidade econômica dos anos 80 e 90 e dos desajustes mais recentes das contas públicas e externas, o país foi jogado a uma luta de curtíssimo prazo, com surpresas e inovações cotidianas vindas da gestão econômica. Nos últimos anos, no entanto, esse quadro vem se alterando de modo progressivo. Cada vez mais instituições são construídas para conferir transparência e previsibilidade à política econômica. Principalmente após 1999, há responsabilidade fiscal, a taxa de câmbio flutua livremente e o sistema de metas de inflação traz clareza à condução da política monetária.
Essa maior previsibilidade pode ser considerada a responsável pelo fato de o Brasil ter se beneficiado da onda externa favorável dos últimos meses. Mantidas as regras do jogo, o ambiente econômico se tornou previsível e estável, trazendo de volta a confiança dos investidores domésticos e externos no país. O resultado é contundente: menos inflação, mais produção, investimento e emprego. Nessas horas vale lembrar: a inflação deverá recuar de cerca de 12,5%, em 2002, para estimados 5,3% em 2005. Ao mesmo tempo, a economia deverá crescer cerca de 5% neste ano e 3,5% no ano que vem. Nada mal para quem viveu de sustos e choques no passado recente.
A história poderia ter sido bem diferente. Em 2002, por exemplo, a crise não foi gerada por algum tipo de esgotamento do modelo. Até porque o modelo foi mantido e não tivemos nenhum desastre. A crise nasceu justamente das dúvidas sobre eventuais mudanças na política econômica que poderiam ocorrer com a transição política. Como resultado, os investimentos se retraíram e geraram impactos perversos na inflação e no emprego.
A continuidade da política econômica dos últimos anos, portanto, representa a possibilidade de avanço, e não retrocesso, do crescimento. A lógica é clara: respeito a contratos, previsibilidade monetária e gestão fiscal responsável evitam crises de confiança, sustentam o crescimento e fortalecem, de modo progressivo, as condições de solvência.
Com isso, a exposição do país às naturais e inevitáveis oscilações dos mercados mundiais se reduz. Foi por conta da insistência no caminho da responsabilidade econômica que os fundamentos da economia brasileira se fortaleceram, tornando o país menos vulnerável às crises externas. Em 1997 e 98, por exemplo, o governo não se mostrava capaz de gerar superávits fiscais, o déficit externo se aproximava de 5% do PIB e o regime cambial exibia uma rigidez que favorecia ataques especulativos. Uma situação totalmente diversa da atual -e pior.
A política econômica, desse modo, não parece ter um viés antidesenvolvimento. Pelo contrário. Mas a questão relevante não é essa. A dúvida não está em se a política econômica atrapalha, mas sim se ela tem o poder de conduzir o país a taxas mais elevadas e sustentáveis de crescimento no longo prazo.
Sozinha, a política econômica não faz milagres. A persistência da responsabilidade na política econômica tem o poder de evitar crises de curto prazo. Aprendemos que maluquices e inovações nessa área só geram instabilidades agudas de curto prazo e intranqüilidade quanto ao futuro. E não resolvem os gargalos que atrapalham o crescimento de médio e longo prazo do país.
O desenvolvimento depende de um esforço maior. A teoria econômica caminha, cada vez mais, no sentido de mostrar que as instituições importam. Nessa linha, o desenvolvimento depende de uma agenda de longo prazo, que inclui de uma reforma fiscal a avanços no quadro microeconômico. O resultado é o aumento da produtividade e, portanto, crescimento sustentável.
No caso brasileiro, o setor público segue sendo um sorvedouro de recursos, drenando a poupança doméstica e exigindo taxas elevadas de juros. Ademais, as regras para diversos setores não estão definidas. O direito de propriedade não é claro na agricultura e a Justiça é uma fonte permanente de dúvidas quanto ao cumprimento dos contratos. Vários setores postergam investimentos em virtude de incertezas elevadas com relação às regras: infra-estrutura, saneamento, gás e petróleo são alguns exemplos.
O desenvolvimento de médio e longo prazos, portanto, depende de uma agenda de reformas microeconômicas e fiscais. Depende também das condições políticas para tramitação e aprovação dessas reformas no Congresso. A gestão de curto prazo de juros e câmbio pode até causar alguma comoção, mas não está aí a raiz de nossos problemas.
Em resumo, uma boa gestão econômica é condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento. É preciso que as regras sejam estabelecidas e respeitadas para que a produtividade aumente a taxas crescentes nos próximos anos. Já estava na hora. A política econômica precisa liberar a agenda para os debates de longo prazo que realmente importam.


Roberto Padovani, 38, é mestre em economia pela FGV-SP e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.


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