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TENDÊNCIAS/DEBATES
A política econômica do governo Lula é antidesenvolvimentista?
NÃO
Política econômica não é panacéia
ROBERTO PADOVANI
O Brasil está virando uma página
em sua história. Até alguns anos
atrás a política econômica era tudo e podia tudo. Diante da forte instabilidade
econômica dos anos 80 e 90 e dos desajustes mais recentes das contas públicas
e externas, o país foi jogado a uma luta
de curtíssimo prazo, com surpresas e
inovações cotidianas vindas da gestão
econômica. Nos últimos anos, no entanto, esse quadro vem se alterando de
modo progressivo. Cada vez mais instituições são construídas para conferir
transparência e previsibilidade à política econômica. Principalmente após
1999, há responsabilidade fiscal, a taxa
de câmbio flutua livremente e o sistema
de metas de inflação traz clareza à condução da política monetária.
Essa maior previsibilidade pode ser
considerada a responsável pelo fato de o
Brasil ter se beneficiado da onda externa
favorável dos últimos meses. Mantidas
as regras do jogo, o ambiente econômico se tornou previsível e estável, trazendo de volta a confiança dos investidores
domésticos e externos no país. O resultado é contundente: menos inflação,
mais produção, investimento e emprego. Nessas horas vale lembrar: a inflação
deverá recuar de cerca de 12,5%, em
2002, para estimados 5,3% em 2005. Ao
mesmo tempo, a economia deverá crescer cerca de 5% neste ano e 3,5% no ano
que vem. Nada mal para quem viveu de
sustos e choques no passado recente.
A história poderia ter sido bem diferente. Em 2002, por exemplo, a crise não
foi gerada por algum tipo de esgotamento do modelo. Até porque o modelo foi mantido e não tivemos nenhum
desastre. A crise nasceu justamente das
dúvidas sobre eventuais mudanças na
política econômica que poderiam ocorrer com a transição política. Como resultado, os investimentos se retraíram e
geraram impactos perversos na inflação
e no emprego.
A continuidade da política econômica
dos últimos anos, portanto, representa
a possibilidade de avanço, e não retrocesso, do crescimento. A lógica é clara:
respeito a contratos, previsibilidade
monetária e gestão fiscal responsável
evitam crises de confiança, sustentam o
crescimento e fortalecem, de modo progressivo, as condições de solvência.
Com isso, a exposição do país às naturais e inevitáveis oscilações dos mercados mundiais se reduz. Foi por conta da
insistência no caminho da responsabilidade econômica que os fundamentos
da economia brasileira se fortaleceram,
tornando o país menos vulnerável às
crises externas. Em 1997 e 98, por exemplo, o governo não se mostrava capaz de
gerar superávits fiscais, o déficit externo
se aproximava de 5% do PIB e o regime
cambial exibia uma rigidez que favorecia ataques especulativos. Uma situação
totalmente diversa da atual -e pior.
A política econômica, desse modo,
não parece ter um viés antidesenvolvimento. Pelo contrário. Mas a questão
relevante não é essa. A dúvida não está
em se a política econômica atrapalha,
mas sim se ela tem o poder de conduzir
o país a taxas mais elevadas e sustentáveis de crescimento no longo prazo.
Sozinha, a política econômica não faz
milagres. A persistência da responsabilidade na política econômica tem o poder de evitar crises de curto prazo.
Aprendemos que maluquices e inovações nessa área só geram instabilidades
agudas de curto prazo e intranqüilidade
quanto ao futuro. E não resolvem os
gargalos que atrapalham o crescimento
de médio e longo prazo do país.
O desenvolvimento depende de um
esforço maior. A teoria econômica caminha, cada vez mais, no sentido de
mostrar que as instituições importam.
Nessa linha, o desenvolvimento depende de uma agenda de longo prazo, que
inclui de uma reforma fiscal a avanços
no quadro microeconômico. O resultado é o aumento da produtividade e,
portanto, crescimento sustentável.
No caso brasileiro, o setor público segue sendo um sorvedouro de recursos,
drenando a poupança doméstica e exigindo taxas elevadas de juros. Ademais,
as regras para diversos setores não estão
definidas. O direito de propriedade não
é claro na agricultura e a Justiça é uma
fonte permanente de dúvidas quanto ao
cumprimento dos contratos. Vários setores postergam investimentos em virtude de incertezas elevadas com relação
às regras: infra-estrutura, saneamento,
gás e petróleo são alguns exemplos.
O desenvolvimento de médio e longo
prazos, portanto, depende de uma
agenda de reformas microeconômicas e
fiscais. Depende também das condições
políticas para tramitação e aprovação
dessas reformas no Congresso. A gestão
de curto prazo de juros e câmbio pode
até causar alguma comoção, mas não
está aí a raiz de nossos problemas.
Em resumo, uma boa gestão econômica é condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento. É preciso que as regras sejam estabelecidas e
respeitadas para que a produtividade
aumente a taxas crescentes nos próximos anos. Já estava na hora. A política
econômica precisa liberar a agenda para
os debates de longo prazo que realmente importam.
Roberto Padovani, 38, é mestre em economia
pela FGV-SP e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.
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