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RUY CASTRO
Carnaval no fogo
RIO DE JANEIRO - Em 2002, uma
editora inglesa, a Bloomsbury (a
mesma do Harry Potter), encomendou-me um livro sobre o Rio, para
uma coleção de livros sobre cidades. Outros da série, a cargo de notórios residentes, tratariam de Nova
York, Paris, Sydney, Veneza. Não
queriam um oba-oba ou um guia
turístico, mas uma reflexão particular sobre cada urbe.
No dia em que comecei a escrever, a duas semanas do Carnaval e
com a cidade fervendo de turistas,
bandidos obrigaram o comércio de
Ipanema a fechar as portas pela
morte de um traficante do Pavãozinho. Essa prática, comum nos morros, finalmente chegava à zona sul.
Para alguns, era a véspera do Apocalipse -o começo do fim ou o próprio fim.
Abestado, como todo mundo, resolvi esperar. Não havia clima para
escrever. Dei uma volta por Ipanema e constatei a nossa derrota. E,
então, algumas horas depois, deu-se o milagre. O bloco Vem Ni Mim
Que Sou Facinha, com saída marcada para aquele dia, botou seus
tamborins na praça General Osório.
Os supermercados, bares e lojas seguiram o exemplo e reabriram. E
até o poeta Apicius lançou seu livro
naquela noite. O Carnaval desafiara os marginais. E ganhara.
Ali me decidi pelo título do livro:
"Carnaval no Fogo". Não por acaso,
título de uma chanchada da Atlântida, que começava por um desenho de foliões dançando entre labaredas. Descobri que, desde sempre -ou desde Américo Vespúcio,
em 1502-, o Rio era isso: uma cidade com a maior vocação para a festa, mas uma festa que se dá sempre
sobre brasas. O subtítulo completava a ideia: "Crônica de uma cidade
excitante demais".
Os acontecimentos dos últimos
dias seguem essa tradição. Com a
diferença de que, desta vez, o Rio
resolveu devolver o fogo. Resta agora que o Brasil se junte de vez ao Rio
nesta batalha -se não quiser ver algo como o México no seu futuro.
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