|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo Dilma precisa fazer um ajuste fiscal?
NÃO
Não é preciso superavit acima da meta
FRANCISCO LUIZ C. LOPREATO
A aproximação da posse de Dilma Rousseff trouxe de volta o coro a
favor de forte ajuste fiscal.
A alegação dos que defendem essa tese é a de que a política fiscal do
governo Lula colocou em risco as
contas públicas e pressionou a inflação, ou que o aumento substancial do superavit primário implicará forte queda da dívida e dos juros.
Vejamos esses pontos. Primeiro,
a situação fiscal é aceitável, bem
melhor do que em períodos anteriores, e a inflação pouco acima do
centro da meta não parece estar associada à expansão da demanda
provocada por excesso de gasto público. Além disso, a dívida pública
líquida (41% do PIB) é uma das menores em relação à dos principais
países do mundo.
Segundo, a queda acelerada da
dívida pública, com o aumento do
superavit primário, pode ter efeito
positivo na taxa de juros, mas não
se deve esperar baixa expressiva
enquanto não houver a separação
entre o sistema monetário e o de dívida pública. O atual patamar de taxa de juros está atrelado à forma
"sui generis" de convivência desses
dois mercados.
O problema se arrasta desde o
período de alta inflação e, caso não
seja eliminado por meio de reformas envolvendo alterações na remuneração da poupança e o provável abandono dos títulos indexados
à Selic, dificilmente a taxa de juros
cairá além do nível alcançado no
período crítico da crise mundial, e
as dificuldades de alongar os prazos de financiamento continuarão
a existir.
O principal alvo da crítica, na
verdade, não aparece de modo explícito. O que de fato se questiona é
a decisão do governo Lula de alterar a lógica da política fiscal e a estratégia de desenvolvimento.
O retorno do Estado como ator
central na articulação de novas
frentes de investimento levou à
reestruturação dos instrumentos
fiscais e financeiros de apoio à ação
do setor público, exigindo o fortalecimento dos bancos de crédito oficiais, o revigoramento das empresas públicas e a ampliação dos incentivos fiscais.
A candidata Dilma apresentou
proposta de governo semelhante.
Espera-se que mantenha a posição
ativa do Estado e ainda trate de recuperar a força do planejamento e
da política industrial. Um ajuste fiscal severo vai contra essas ideias e
coloca em risco a continuidade do
programa de investimentos.
Mas, por outro lado, é importante que a manutenção do projeto
vencedor das eleições não signifique descontrole das contas públicas. Não há esse risco. A provável
redução do ritmo de reajustes do
salário mínimo trará reflexos positivos no resultado da previdência social, e outros gastos devem seguir o
mesmo caminho.
Além disso, a nova equipe econômica já se comprometeu com a
estabilidade fiscal e com a redução
da dívida pública, mantendo nível
adequado de superavit primário.
O valor proposto para o saldo primário (3,1% do PIB) e um crescimento médio da ordem de 5% do
PIB garantem a redução sustentada
do peso da dívida pública no decorrer do próximo mandato presidencial, sobretudo se vier a ocorrer reforma capaz de dar fim ao entrelaçamento entre mercado monetário
e de dívida pública, abrindo espaço
para a queda da taxa de juros.
Enfim, o momento da economia
brasileira é favorável e não requer a
adoção de rígido programa de austeridade fiscal; basta levar adiante
a política de defesa do crescimento
e sustentar o compromisso de não
deteriorar as contas públicas em
nome da expansão econômica.
FRANCISCO LUIZ C. LOPREATO é professor do
Instituto de Economia da Unicamp e autor do livro
"O Colapso das Finanças Estaduais e a Crise da
Federação" (editora Unesp, 2002).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Guilherme da Nóbrega: Oportunidade imperdível Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros
|