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Cachorros atropelados
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - É curiosa a mania,
predominante entre os chamados comunicadores sociais (colunistas, âncoras de TV etc.) de cair em cima de
senadores, deputados, vereadores,
funcionários de terceiro escalão, secretárias e gente menos votada, poupando, em especial, o presidente da
República e, grosso modo, os poderosos da situação.
Dou exemplo recente: congressistas
afirmam que estão trabalhando pelo
bem do povo. Ou que pretendem fazer
isso ou impedir aquilo pelo mesmo
motivo, ou seja, pelo bem do povo.
Na mídia, descem pauladas de todos
os lados. Quando não há mais argumento para espinafrar essa raia miúda, sem poder de caneta, o raciocínio
desses chutadores de cachorro atropelado é simples: fulano diz isso porque
não podia dizer o contrário, os congressistas prometem trabalhar porque
não podem declarar explicitamente
que não querem trabalhar.
Acontece que o campeão de afirmações semelhantes é o presidente da República. Ele não pode fazer um discurso dizendo que é a favor do narcotráfico, da impunidade, da espoliação
dos direitos trabalhistas, do sucateamento da saúde e da educação.
Com o tom acaciano que lhe é próprio, o presidente diz (aliás, ele não
diz, ele proclama) obviedades suntuosas e ganha manchete dos colunistas
afins, dos âncoras que o bajulam. E a
pergunta que se deve fazer é a mesma:
teria o presidente da República alternativa para dizer o contrário?
Mas nele ninguém bate, ou melhor,
pouquíssimos são os que lhe cobram a
desfaçatez, a insistência em dizer e
desdizer, o recurso banal de prometer
e não cumprir.
É com tristeza que vejo, na mídia em
geral, a tendência de chutar cachorros
atropelados. E poupar os cachorros
que ainda podem morder ou oferecer
companhia e proteção.
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