São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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Cachorros atropelados

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - É curiosa a mania, predominante entre os chamados comunicadores sociais (colunistas, âncoras de TV etc.) de cair em cima de senadores, deputados, vereadores, funcionários de terceiro escalão, secretárias e gente menos votada, poupando, em especial, o presidente da República e, grosso modo, os poderosos da situação.
Dou exemplo recente: congressistas afirmam que estão trabalhando pelo bem do povo. Ou que pretendem fazer isso ou impedir aquilo pelo mesmo motivo, ou seja, pelo bem do povo.
Na mídia, descem pauladas de todos os lados. Quando não há mais argumento para espinafrar essa raia miúda, sem poder de caneta, o raciocínio desses chutadores de cachorro atropelado é simples: fulano diz isso porque não podia dizer o contrário, os congressistas prometem trabalhar porque não podem declarar explicitamente que não querem trabalhar.
Acontece que o campeão de afirmações semelhantes é o presidente da República. Ele não pode fazer um discurso dizendo que é a favor do narcotráfico, da impunidade, da espoliação dos direitos trabalhistas, do sucateamento da saúde e da educação.
Com o tom acaciano que lhe é próprio, o presidente diz (aliás, ele não diz, ele proclama) obviedades suntuosas e ganha manchete dos colunistas afins, dos âncoras que o bajulam. E a pergunta que se deve fazer é a mesma: teria o presidente da República alternativa para dizer o contrário?
Mas nele ninguém bate, ou melhor, pouquíssimos são os que lhe cobram a desfaçatez, a insistência em dizer e desdizer, o recurso banal de prometer e não cumprir.
É com tristeza que vejo, na mídia em geral, a tendência de chutar cachorros atropelados. E poupar os cachorros que ainda podem morder ou oferecer companhia e proteção.


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