São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 1998

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Os dois abismos

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - As fitas produzidas a partir do "grampo" nos telefones do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, foram o forte do noticiário das revistas semanais, dos jornais e dos telejornais durante uns 15 dias, pouco mais ou menos.
Logo, o Brasil inteiro tomou conhecimento do fato e, por extensão, do pedido de demissão do ministro, certo? Errado, totalmente errado, aliás.
Pesquisa do Datafolha feita dias 10 e 11 passados mostra que dois de cada três brasileiros (64% exatamente) simplesmente não tomaram conhecimento do pedido de demissão do ministro.
Da mesma forma, 61% declaram não estar informados sobre a reforma da Previdência, outro tema que frequenta com assiduidade a agenda da mídia, do governo e da oposição.
A conclusão mais simplista seria culpar a mídia pela escolha de uma agenda de notícias supostamente errada. Aí, bastaria trocar uma dúzia de jornalistas em cargos chaves nos jornais, TVs e revistas e, pronto, mudava-se a agenda e todos seriam felizes.
Bobagem. O desconhecimento da realidade não é um problema só da mídia nem principalmente dela. É da desarticulação da sociedade, do nível educacional abissalmente baixo, da renda insuficiente para consumir informações ou de excesso de trabalho para ter tempo de fazê-lo.
Também em matéria de informação, repete-se a história de que há dois "brasis". A pesquisa mostra que, entre os que ganham até 10 salários mínimos, 75% desconheciam o episódio Mendonça de Barros. Já entre as famílias de renda superior a 20 mínimos, invertia-se a porcentagem: 68% estavam informados.
Números muito parecidos surgem também em relação à reforma da Previdência e ao papelório sobre suposta conta de personalidades tucanas nas ilhas Cayman.
O abismo na informação, no fundo, explica o abismo social: quem não se informa aceita qualquer coisa, boa ou ruim, mas em geral ruim, o que perpetua ambos os abismos.



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