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ANTONIO DELFIM NETTO
Retaliação
De todos os argumentos inventados para justificar a última "barbeiragem" do Banco Central, o mais
ridículo é a versão de que "a surpreendente decisão de manter a taxa básica
em 16,5% ao ano foi uma retaliação do
governo à pressão dos empresários
por reajuste de preços". Diante daquela ameaça, "o próprio presidente Lula
teria dado o seu aval, numa demonstração do cacife do presidente do BC
perante a cúpula do governo".
A versão é absurda. Se verdadeira, liquidaria toda a credibilidade que o
Banco Central (merecidamente)
construiu ao longo dos últimos anos.
Em primeiro lugar, de onde veio a
idéia de que "os empresários estão
pensando em reajustar os seus preços"? De um levantamento rotineiro
da FGV que tem utilidade, mas que raramente vê suas previsões realizadas,
a não ser no sentido (mais ou menos),
e não na intensidade. Quem conhece o
modo como são obtidos os dados e a
atenção que os "informantes" dedicam aos questionários, sabe que eles
devem ser tomados com muito cuidado. Ora, como é possível que uma informação "anedótica" como essa (que
muito provavelmente se deve à previsão do aumento da Cofins) possa ter
sido entendida como "um desafio à
política antiinflacionária do governo"? E pior, tivesse sido levada ao supremo dirigente da nação para que este autorizasse o Banco Central a aceitar o desafio, quando o correto seria
retirar do índice usado pelo BC o aumento daquele imposto, como fazem
os países civilizados.
Se não fosse cômica, essa situação
seria trágica: seria o reconhecimento
da absoluta dependência da política
monetária da vontade do Executivo, e
não do Banco Central e de seus maravilhosos modelos! Preferimos acreditar em outra versão, mais condizente
com o caráter do presidente Meirelles
e dos competentes diretores do Banco
Central. Eles dispõem de um sofisticado Departamento de Estudos e Pesquisas, cuja qualidade é reconhecida
por todos os que se interessam pela
economia nacional. Mas modelos são
modelos. Eles só podem devolver como informação o que já se colocou lá
dentro, e a impressão geral (pelo menos dos que tentam reproduzi-los
aqui do lado de fora) é que existia
margem para uma redução de pelo
menos (pelo menos!) 50 pontos básicos. Logo, o BC deveria ter uma informação "ad hoc" que todos desconhecem.
Há duas dúvidas. Primeira: quando
a Fundação Getúlio Vargas vai realizar
uma amostragem que revelará que
"os empresários querem reduzir os
seus preços"? O Banco Central acredita que estamos numa sociedade capitalista (onde eles defendem sua posição na concorrência monopolística e
usam os lucros para ampliar os investimentos e os empregos) ou numa sociedade solidária (onde eles "vão à falência orgulhosos por estarem fazendo o bem")? A segunda dúvida é mais
grave: que o Banco Central (e só ele) já
tenha identificado a visita de um formidável aumento de demanda. Muito
em breve teremos solta uma pressão
inflacionária incontrolável. Em poucas semanas ou meses, terminará a
"falta de demanda", e os preços serão
reajustados. E o que é pior (para o
Banco Central e sua política monetarista), acabará o desemprego e os trabalhadores farão pressão para aumento de salário real acima dos ganhos de
produtividade, o que exigirá um rápido aumento dos juros reais para abortá-lo. Até quando vamos continuar a viver com essa visão míope que tem
levado à política do "stop and go"?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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