São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Retaliação

De todos os argumentos inventados para justificar a última "barbeiragem" do Banco Central, o mais ridículo é a versão de que "a surpreendente decisão de manter a taxa básica em 16,5% ao ano foi uma retaliação do governo à pressão dos empresários por reajuste de preços". Diante daquela ameaça, "o próprio presidente Lula teria dado o seu aval, numa demonstração do cacife do presidente do BC perante a cúpula do governo".
A versão é absurda. Se verdadeira, liquidaria toda a credibilidade que o Banco Central (merecidamente) construiu ao longo dos últimos anos. Em primeiro lugar, de onde veio a idéia de que "os empresários estão pensando em reajustar os seus preços"? De um levantamento rotineiro da FGV que tem utilidade, mas que raramente vê suas previsões realizadas, a não ser no sentido (mais ou menos), e não na intensidade. Quem conhece o modo como são obtidos os dados e a atenção que os "informantes" dedicam aos questionários, sabe que eles devem ser tomados com muito cuidado. Ora, como é possível que uma informação "anedótica" como essa (que muito provavelmente se deve à previsão do aumento da Cofins) possa ter sido entendida como "um desafio à política antiinflacionária do governo"? E pior, tivesse sido levada ao supremo dirigente da nação para que este autorizasse o Banco Central a aceitar o desafio, quando o correto seria retirar do índice usado pelo BC o aumento daquele imposto, como fazem os países civilizados.
Se não fosse cômica, essa situação seria trágica: seria o reconhecimento da absoluta dependência da política monetária da vontade do Executivo, e não do Banco Central e de seus maravilhosos modelos! Preferimos acreditar em outra versão, mais condizente com o caráter do presidente Meirelles e dos competentes diretores do Banco Central. Eles dispõem de um sofisticado Departamento de Estudos e Pesquisas, cuja qualidade é reconhecida por todos os que se interessam pela economia nacional. Mas modelos são modelos. Eles só podem devolver como informação o que já se colocou lá dentro, e a impressão geral (pelo menos dos que tentam reproduzi-los aqui do lado de fora) é que existia margem para uma redução de pelo menos (pelo menos!) 50 pontos básicos. Logo, o BC deveria ter uma informação "ad hoc" que todos desconhecem.
Há duas dúvidas. Primeira: quando a Fundação Getúlio Vargas vai realizar uma amostragem que revelará que "os empresários querem reduzir os seus preços"? O Banco Central acredita que estamos numa sociedade capitalista (onde eles defendem sua posição na concorrência monopolística e usam os lucros para ampliar os investimentos e os empregos) ou numa sociedade solidária (onde eles "vão à falência orgulhosos por estarem fazendo o bem")? A segunda dúvida é mais grave: que o Banco Central (e só ele) já tenha identificado a visita de um formidável aumento de demanda. Muito em breve teremos solta uma pressão inflacionária incontrolável. Em poucas semanas ou meses, terminará a "falta de demanda", e os preços serão reajustados. E o que é pior (para o Banco Central e sua política monetarista), acabará o desemprego e os trabalhadores farão pressão para aumento de salário real acima dos ganhos de produtividade, o que exigirá um rápido aumento dos juros reais para abortá-lo. Até quando vamos continuar a viver com essa visão míope que tem levado à política do "stop and go"?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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