|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
As duas faces da moeda
ROGER ABDELMASSIH
Ainda não compreendi qual é a verdadeira motivação para esse movimento
que mais se caracteriza como sanha de vendeta
|
"O sentimento mais comum entre os
homens é o da má vontade"
(Pedro Nava)
NO DOMINGO 11 de janeiro,
quando baixei o vidro para
brincar com meu amigo cadeirante, o que fazemos todos os dias no
cruzamento da avenida 9 de Julho, vi
que o rosto sempre sorridente estava
sério. Ele tomou a iniciativa da conversa: "Força doutor, o senhor é
maior do que tudo isso; fé em Deus
que tudo vai passar". Faltaram-me as
palavras. Estendi-lhe a mão e agradeci emocionado.
Compreendi que o meu amigo havia lido a matéria da sexta, ou as do sábado, e que sabia do drama que eu começara a viver. E que, apesar dos horrores lidos, confiava em mim. O que
ainda não compreendi é o porquê de
tudo isso. Qual a verdadeira motivação para esse movimento que mais se
caracteriza como sanha de vendeta,
que se expressa em denúncias esvaziadas de sentido, em acusações perversas, subjetivas, sem materialidade,
que embutem em si mesmas minha
condenação perante a opinião pública. As fontes diversas e o ódio silencioso, sedimentado há décadas, são
assustadores -incompreensíveis.
É certo que sou o representante
mais conhecido no Brasil de uma especialidade médica que não consegue, ainda, 100% de resultados. Nesses 20 anos de clínica em medicina reprodutiva, tenho lidado -abertamente- com as mais variadas expressões
de frustração de pacientes que não
conseguiram atingir seus objetivos.
É certo que, em 65 anos de vida, cometi erros -muitos, até- como marido e pai de família, como profissional,
como amigo, como ser apenas humano que sou. É certo que "eu sou eu e
minhas circunstâncias" (Ortega y
Gasset) e que muitos antipatizam
com as minhas circunstâncias. E é
certo, acima de tudo, que não sou merecedor de tantas e tamanhas atitudes de desforra, de julgamento à revelia na praça pública das páginas da
imprensa -uma demonstração inequívoca de ressentimentos, de justiça
selvagem manifestada à moda tribal,
ao arrepio da Justiça.
Sei que a vingança faz parte da natureza humana, mas não pode haver
Estado de Direito quando o fórum
adequado para que a justiça prevaleça
é substituído por retaliações como essa a que estou sendo submetido, acolhidas e divulgadas da forma como
têm sido.
Toda a notoriedade que tenho, e
que parece incomodar a tantos, foi
conquistada unicamente em consequência do meu trabalho e dos resultados obtidos. Trabalho tenazmente,
14 horas diárias em média, não poupo
investimentos em aperfeiçoamento
do meu pessoal, em tecnologia de
ponta e, especialmente, em pesquisa
básica (a única clínica particular que
mantém um centro de pesquisa básica), na busca do melhor resultado
possível contra a infertilidade.
Lutei como poucos por essa causa e
tenho a certeza de que servi para elevar a qualidade da reprodução humana assistida no Brasil. Lutei muito pelos casais inférteis e conquistei cerca
de 8.000 vitórias, quase 8.000 crianças que deram sentido à vida de casais, que realizaram o desejo de formar famílias.
Seria uma incoerência, uma estupidez, uma insanidade se fosse eu o moto propulsor da destruição de casamentos, de futuras famílias que eu
ajudaria a formar. Não faz sentido.
A verdade tem mais de um lado, e
quem quer conhecê-la precisa ver a
moeda por inteiro. Esse movimento
de ressentimentos vingativos tem
uma história de quase dois anos, cujos
documentos serão apresentados no
momento adequado, ao fórum adequado para sopesar as provas.
Há cerca de dois anos venho sendo
atacado, por meio da internet. E-mails impressionantemente agressivos e ameaçadores, distribuídos para
toda a minha família, para a imprensa
e para a classe médica. Comunidades
em sites de relacionamento, blogs e
fóruns estampavam a mesma falácia
que hoje ganha espaço na grande imprensa. No começo, parecia uma ação
isolada. Mas o que poderia ser um
moderno e já cotidiano crime de
"cyberbullying", do qual são vítimas
tanto adolescentes quanto prestadores de serviços, como um médico, acabou virando esse pesadelo.
O meu silêncio não é como o silêncio das pedras. É um silêncio cheio de
sons e de cores, e sobretudo de respeito à Justiça e, até, às pessoas que estão
me acusando, pois, pasme quem quiser, eu tenho minhas explicações, especialmente para as mentiras, para as
fantasias e para as fofocas que ganham espaço na imprensa e que tentam desonrar a minha dignidade como pessoa humana -fundamento
constitucional, direito pétreo que me
vem sendo negado.
Sei que a vida é feita de luta e de
obstáculos e que é preciso coragem
moral para adaptar-se a tempos de
angústia como estes, que requerem
paciência e resignação. Mas é preciso,
também, contar com o apoio da família -que está ao meu lado- e com a
solidariedade dos amigos para fortalecer a fé em Deus e a certeza de que a
Justiça será soberana.
Agradeço sinceramente as incontáveis manifestações de conforto que
venho recebendo, especialmente
aquelas que demonstram confiança
no meu caráter. Meu querido amigo
cadeirante tem razão: tudo vai passar.
ROGER ABDELMASSIH , 65, médico especialista em reprodução humana assistida, é sócio-diretor da Clínica e Centro de Reprodução Humana Assistida Roger Abdelmassih e membro do Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Andrologia. Foi fundador e presidente da
Sociedade Brasileira de Andrologia.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Arnaldo Niskier: Cresce a educação profissional
Índice
|