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TENDÊNCIAS/DEBATES
RAMEZ TEBET
A devastação da Amazônia
O Brasil deu um passo. Mas, se não houver controle, poderá ser em falso. E a devastação da Amazônia continuará
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Com a aprovação da Lei de Gestão
de Florestas Públicas, o Brasil deu
um passo avançado no esforço para
combater a derrubada ilegal de madeira
na Amazônia, onde estão 90% da madeira nativa do país. Mas, se não houver
controle, o passo poderá ser em falso. A
devastação da Amazônia continuará.
Há questões de natureza administrativa, jurídica, econômica e social que estão a merecer séria reflexão.
Em primeiro lugar, emerge a necessidade de um rígido sistema de fiscalização para evitar a devastação da floresta,
obedecendo-se ao manejo florestal
aprovado, pelo qual se poderão extrair
de cinco a seis árvores por hectare a cada 30 anos. Experiências com legislação
semelhante na África e na Ásia não evitaram grandes perdas de biodiversidade. Importa observar essa questão
quando se sabe que as concessionárias
legais enfrentarão a competição desvairada de madeireiras que exploram ilegalmente a floresta, advindo daí a motivação/ambição para escamotear o número de árvores que podem ser manejadas.
A concessão por 40 anos, por meio de
licitação pública, para que empresas
possam desenvolver um projeto de uso
sustentável da floresta poderá até vir a
contribuir para a defesa do patrimônio
público, sabendo-se que, na Amazônia
brasileira, 76% das terras são públicas e
só 29% delas estão protegidas como
áreas de conservação ou territórios indígenas.
Mas há que controlar a prévia fixação
dos limites das áreas, o respeito às fronteiras e, sobretudo, a integração com as normas já fixadas pelos sistemas de Zoneamento Econômico Ecológico, estabelecidos pelos governos da região, fato
ignorado pelo projeto recém-aprovado
pelo Senado.
Urge alertar para a dificuldade de aplicar uma nova legislação na vastíssima
região amazônica, onde as leis em vigor
não conseguem coibir atividades ilegais
de desmatamento total com incêndios e
depredação da madeira. Como se sabe,
o Ibama não tem conseguido ser eficaz
em sua ação fiscalizatória.
O Sistema Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, criados para efetivar a inspeção e
controlar a aplicação da nova lei, sofrem
a ameaça de se transformarem em órgãos amorfos. Assim, a Lei de Florestas
poderá cair no descrédito.
Chamo a atenção para aspectos de ordem administrativa por não acreditar
que seja sustado o processo de grilagem
e ocupação ilegal, fatores da violência na
região. A Amazônia dispõe de 45% de
terras devolutas, sendo essa a arena de
guerra de grileiros e grupos que agem
sob o arrepio da lei.
Recorro, ainda, à visão de cientistas,
como o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, para quem o desmatamento da Amazônia, sob qualquer forma,
integra o processo de savanização ou
desertificação de 60% da mata amazônica em algumas décadas. As queimadas, que emitem gás carbônico, e a queima de combustíveis fósseis são responsáveis pelo lento aquecimento global.
Ele aponta que a parcela da Amazônia
que desaparecerá por queimas ou decaimento (apodrecimento) será de 300
bilhões de toneladas de fitomassa, ou
seja, o equivalente, quanto à emissão de
gases de efeito estufa, a tudo o que a humanidade já consumiu, desde o início
da Revolução Industrial, de petróleo e
gás natural.
Outro aspecto a considerar na nova lei
é a abrangência. Permitirá que as concessões se estendam para outros nichos,
como produtos florestais -frutas,
substâncias medicinais e cosméticas, resinas, alimentos e óleos. Eis mais uma
oportunidade para os grandes complexos internacionais. Já se sabe que a exportação ilegal de produtos da Amazônia, como ervas medicinais, tornou-se
um formidável negócio para grupos internacionais, com a ajuda, inclusive, de
parcelas da população indígena.
Mais uma vez desponta a necessidade
de sistemas de controle e monitoramento. A lei proíbe que empresas e
ONGs estrangeiras ganhem concessões,
mas, como é correto, acolhe suas filiais
instaladas com sede no país. Ora, o novo dispositivo legal não seria, de alguma
forma, um escudo para proteger o comércio ilegal de produtos da Amazônia? Essa é outra questão a ser avaliada.
São elogiáveis outras modalidades de
gestão de florestas, previstas na lei, destinadas à conservação de florestas nacionais, ao uso comunitário para assentamentos florestais (não implicando pagamento), quilombolas e reservas extrativistas.
Por último, é oportuna a idéia de criar
um grande arco de proteção para a preservação e a manutenção dos altos padrões socioambientais para a extração
de produtos florestais, cuja concepção
agregaria, entre outros, o Sistema Florestal Brasileiro, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal, o Ibama, a
Embrapa e o Inpa (Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia).
Ramez Tebet é senador pelo PMDB-MS. Foi presidente do Senado Federal de 2001 a 2003 e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos.
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