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TENDÊNCIAS/DEBATES
Obama, Tocqueville e a ilusão americana
FRANCISCO DE OLIVEIRA
Obama, com seu terninho correto que faz par com o tailleur de Hillary Clinton, é tão parecido com sua rival quanto o PT com o PSDB
TOCQUEVILLE ESTÁ entre os
mais reputados teóricos da democracia, e seu livro clássico sobre a democracia na América em nada
se parece com os tratados enfadonhos
e formais sobre a forma de governo
inventada pelo gregos da época clássica. Trata-se de investigação sobre os
fundamentos, eu diria, sociológicos,
da democracia nos EUA; nosso Sérgio
Buarque de Holanda fez, com o também clássico "Raízes do Brasil", a explicação de por que a forma democrática é quase inviável em Pindorama.
Mais de um século depois, o belicista Churchill cunhou outro paradoxo,
plagiando Tocqueville: a democracia
é o pior de todos os regimes, salvo todos os outros. O velho leão britânico
somente aprenderia a não incentivar
guerras coloniais -"remember" a
Guerra dos Bôeres- depois que o nazismo ameaçou liquidar a velha Albion e submeter o mundo ocidental a
uma nova idade das trevas.
Barack Obama, parece, será o indicado pelos democratas para a disputa
da Casa Branca, desbancando a chata
da Hillary, coisa que talvez se defina
logo no próximo dia 4. Para os leitores
de Tocqueville, talvez sua eleição à
mansão sem estilo da avenida Pensilvânia pareça realizar os prognósticos
do nobre francês. Mas aqui entra o famoso paradoxo de Tocqueville, segundo o qual a ampla democratização
torna banal a participação dos cidadãos e desinteressante a democracia.
O forte absenteísmo dos próprios
norte-americanos às suas eleições
presidenciais confirmaria o pessimismo tocquevilleano. Em termos
schmittianos, a democracia de massas é não-agônica, onde não se decide
nada. Não falta ao paradoxo de Tocqueville, como é óbvio, um certo desdém aristocrático, que o autor francês
disfarça todo o tempo.
Uma crítica de direita se alinharia
apressadamente ao paradoxo, desqualificando imediatamente a eleição
do primeiro negro à Presidência dos
EUA. Uma crítica pela esquerda vê o
problema de outro ângulo: o paradoxo de Tocqueville não decorre da banalização da democracia pelo predomínio das massas, mas é um produto
da colonização da política pela economia. Em outras palavras, o capitalismo, em sua fase globalitária, torna
inútil a política e irrelevante a participação dos cidadãos. Nos EUA, é certo
que decisões como a invasão do Iraque foram até mesmo planejadas no
Salão Oval, mas antes o celerado Bush
filho teve que pedir permissão a Alan
Greenspan, o ex-todo-poderoso presidente do Fed; aliás, esse senhor
atravessou os dois mandatos de Clinton e entrou pelo mandato de Bush
adentro, somente renunciando um
ano e meio atrás, e os norte-americanos nunca votaram nele para coisa alguma. E o Senado norte-americano,
que ratifica as indicações presidenciais, faz-lhe uma argüição que é tão
contestadora quanto os programas de
Silvio Santos. Isso é a colonização da
política pela economia.
Entre nós, mesmo a própria democratização brasileira, de que o PT foi
co-autor importante, é hoje irrelevante: em lugar da transformação
prometida pelos longos anos da "invenção democrática", o PT e Lula
transformaram-se em fiadores do capitalismo globalitário no Brasil. Vejam-se, como já se salientou aqui
mesmo nesta Folha, os lucros do sistema bancário brasileiro e o tratamento do social: meros R$ 8 bilhões
para o Bolsa Família, o ai-jesus de Lula e do lulo-petismo, e R$ 160 bilhões
de juros da dívida pública interna. Ou
em 2007, os R$ 20 bilhões do lucro
dos quatro maiores bancos contra os
R$ 21 bilhões de todo o Orçamento
social de Lula (incluindo-se seguridade social, Bolsa Família et al).
Tomara que Obama desminta o paradoxo de Tocqueville; tomara que
suspenda imediatamente o odioso
embargo contra Cuba, aproveitando
inclusive a oportunidade da retirada
de Fidel da linha de frente do governo
cubano; tomara que retire as tropas
do Iraque, terminando de vez com esse desastre anunciado; tomara que
retome a linha de um Jimmy Carter,
não apoiando as ditaduras e o descarado intervencionismo gringo; tomara que inaugure uma linha próxima
do New Deal rooseveltiano e detenha
o empobrecimento das classes populares norteamericanas e a crescente
desigualdade; tomara que um desastre como o Katrina não possa outra
vez expor a olho nu a produção desapiedada da pobreza, escondida no
charme da outrora francesa Nova Orleans. Tomara. Mas que é improvável,
é. Ele é tão parecido com a Hillary,
com seu terninho correto que faz par
com o tailleur da ex-primeira-dama,
quanto o PT com o PSDB. Tocqueville ri na tumba?
FRANCISCO DE OLIVEIRA, 74, é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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