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Tireóide e o meio ambiente
GERALDO MEDEIROS-NETO
No Brasil, por cinco anos, a quantia de iodo adicionada ao sal foi excessiva; essa seria a causa da epidemia de tireoidite ocorrida na época
A TIREÓIDE é uma pequena
glândula (15 gramas) situada
na região cervical anterior.
Produz dois hormônios (T4, T3) que
são essenciais para que possamos
"queimar" nossas gorduras e produzir o calor que nos mantém a 36,5ºC.
A tireóide é essencial para a formação
do colágeno (retardando o envelhecimento), para a beleza da pele e para a
vitalidade dos cabelos; é indispensável para a fertilidade; é importante
para manter o colesterol dentro do
normal; e pode ser considerada como
"a governante" do corpo humano, zelando para que cérebro, fígado, rins e
coração funcionem direito. Mas a tireóide não pode sintetizar os seus
hormônios se não houver a indispensável matéria-prima, que é o iodo.
No Brasil (e em outros tantos países
do mundo), praticamente não existe
iodo no solo e na água. O iodo só será
obtido se ingerirmos produtos do mar
(peixes, crustáceos, algas marinhas).
Mas tais alimentos, fáceis de serem
obtidos na orla litorânea, não existem
na extensa região interiorana deste
imenso Brasil. Resultado: durante séculos, a população brasileira padeceu
de carência crônica de iodo, gravíssimo problema que afeta a gestante, o
feto, a criança, com conseqüências
como deficiência mental, retardo de
crescimento, dificuldades auditivas e
aumento do volume do pescoço (bócio). A carência de iodo foi resolvida
pela adição de iodo ao sal que todos
nós consumimos. Está claro que a tireóide não funciona se não houver iodo, mas se estiver sob excesso de iodo
pode apresentar sérios problemas.
No Brasil, durante cinco anos, de
1998 a 2003, a quantidade de iodo adicionado ao sal foi excessiva (40 a 100
miligramas de iodo por quilo de sal). A
ingestão exagerada de iodo desperta
no organismo uma reação chamada
de auto-imunidade, isto é, o sistema
imunitário (que produz anticorpos)
volta-se contra a tireóide, resultando
em doença chamada de tireoidite crônica ou tireoidite de Hashimoto.
Para comprovar esse fato, nossa
equipe da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, com auxílio da Fapesp, realizou, em 2003, inquérito epidemiológico nos municípios de Capuava, Mauá, Santo André e
São Bernardo, constatando que, realmente, o número de pacientes com tireoidite de Hashimoto havia "dobrado", isto é, aumentado em mais do
que o dobro do esperado, segundo
avaliação feita em 1995. Tanto os habitantes próximos à zona industrial
(pólo petroquímico) quanto os que
residiam em área distante dez quilômetros desse pólo apresentavam o
mesmo percentual de pessoas afetadas por tireoidite. O consumo nutricional de iodo estava muito aumentado em todos os municípios visitados.
Concluímos que o excesso de iodo seria, sem dúvida, uma possibilidade
muito forte de ser o agente causal do
aumento dos casos de tireoidite de
Hashimoto.
Em outros países, como Grécia,
Marrocos, Sri Lanka e China, o mesmo fenômeno já foi comprovado. Na
China, em um período de observação
de cinco anos, a população habitando
região com excesso de iodo apresentou quatro vezes mais tireoidite de
Hashimoto do que a de regiões com
baixo teor de iodo na alimentação.
Por outro lado, não há na literatura
médica nenhum dado comprovando
que produtos químicos que não tenham ligação com o iodo possam induzir à auto-imunidade que inicia a
agressão à glândula tireóide. A meu
ver, é altamente especulativa e possivelmente errônea a noção de que habitar nas cercanias de áreas industriais possa ter alguma relação com
doença auto-imune de tireóide.
É importante ressaltar que apenas
uma parte da população é suscetível
de desenvolver tireoidite de Hashimoto dentro de condições de excesso
nutricional de iodo. Essas pessoas
têm um perfil genético peculiar, o
qual as torna mais propensas a ter
moléstias auto-imunes. Os genes que
são responsáveis por essa sensibilidade já foram parcialmente identificados. É freqüente, portanto, o fato de
que doenças de tireóide ocorram de
forma familiar. Felizmente, desde
2004, o teor de iodo no sal consumido
pela população brasileira retornou a
níveis adequados (20 a 60 miligramas
por quilo de sal) e, nesses anos, a prevalência de tireoidite de Hashimoto
voltou a ser o que se considerava como normal (3 a 8% da população, com
maior prevalência em mulheres).
Tal fato seria uma contraprova de
que o excesso de iodo do qüinqüênio
1998-2003 seria o agente causal da
epidemia de tireoidite crônica de
Hashimoto observada naquela época.
Não se justifica, portanto, a maliciosa
interpretação de que a população que
habita as proximidades de instalações
industriais possa ter maior prevalência de doença da tireóide por conta de
eventuais efeitos ambientais.
GERALDO MEDEIROS-NETO, endocrinologista, é professor da Faculdade de Medicina da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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