São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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ANTONIO DELFIM NETTO

O Brasil gentil

O ministro Domingo Cavallo não é apenas um bom economista. É, também, um esperto psicólogo. Seu carisma permite-lhe teatralizar a ação, aumentando muito a sua eficiência. No seu diagnóstico, o maior problema argentino é "reverter o crescente pessimismo dos agentes econômicos sobre a possibilidade de recuperar-se a competitividade da agricultura e da indústria com o atual sistema cambial". Ele está absolutamente certo. E quem melhor para fazê-lo do que ele mesmo? O Congresso argentino está assustado. O presidente parece uma rainha da Inglaterra que sofre de autismo.
Em 1991, com o "currency board", Cavallo retirou dos políticos argentinos a capacidade de fazer política monetária e cambial. Deixou-lhes apenas a simples tarefa de realizar o equilíbrio fiscal. Foram incapazes de fazer a lição de casa! Cavallo propõe, agora, retirar-lhes o poder que sobrou para salvar, de novo, a Argentina. E os lances teatrais do magnífico ministro mostram que as coisas caminham na direção desejada.
Sua visita ao Brasil foi um sucesso. O "show" na saída do Itamaraty diante de três solícitos ministros brasileiros foi de dar inveja! Veio "comunicar" o que havia decidido e recebeu entusiástico apoio. Talvez até esperasse alguma resistência (também teatral) brasileira para que pudesse fortalecer-se na Argentina, mostrando que havia dobrado nossa vontade. Fizemos bem em dar-lhe suporte, porque é de nosso interesse que a Argentina saia da crise.
O ministro Cavallo sabe que só existem duas soluções para seu problema: ou desvalorizar o peso, abandonando a lei de conversibilidade, ou reduzir os custos internos por meio de cortes de impostos, da redução da carga tributária sobre os salários, do aumento da produtividade e da maior flexibilidade do mercado de trabalho. Ele sabe, também, que isso levará algum tempo e que precisa do crescimento mais cedo para reverter o pessimismo empresarial e reduzir o desemprego.
A receita é velha como a Sé de Braga. Se o câmbio real está fora do equilíbrio e não se deseja alterar o câmbio nominal, altera-se a taxa cambial manipulando o "reintegro" nas exportações, como na China (a uma mesma taxa cambial nominal corresponde um aumento do valor recebido pelo exportador), e aumentando as tarifas alfandegárias (a uma mesma taxa cambial o importador paga mais). A combinação dessas duas medidas significa uma (ineficiente) desvalorização efetiva do câmbio real. Elas poderão ser eliminadas à medida que as outras políticas (redução de salário nominal, aumento de produtividade, corte de impostos) forem produzindo resultados.
Fizeram bem os solícitos ministros em "autorizar" o ministro Cavallo a violar as regras do Mercosul. É preciso agora que sejam tão solícitos com a nossa Abimaq. Temos de dar aos nossos fabricantes condições isonômicas para competir no mercado argentino e impedir que ele seja utilizado para facilitar a importação de bens de capital para o mercado brasileiro. O governo fez a gentileza com o bolso dos outros. Cabe-lhe, agora, gestar medidas imediatas para restabelecer nossas condições de competitividade no mercado argentino. Não é subsídio. É isonomia!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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