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ANTONIO DELFIM NETTO
O Brasil gentil
O ministro Domingo Cavallo
não é apenas um bom economista. É, também, um esperto psicólogo.
Seu carisma permite-lhe teatralizar a
ação, aumentando muito a sua eficiência. No seu diagnóstico, o maior
problema argentino é "reverter o crescente pessimismo dos agentes econômicos sobre a possibilidade de recuperar-se a competitividade da agricultura e da indústria com o atual sistema
cambial". Ele está absolutamente certo. E quem melhor para fazê-lo do que
ele mesmo? O Congresso argentino
está assustado. O presidente parece
uma rainha da Inglaterra que sofre de
autismo.
Em 1991, com o "currency board",
Cavallo retirou dos políticos argentinos a capacidade de fazer política monetária e cambial. Deixou-lhes apenas
a simples tarefa de realizar o equilíbrio
fiscal. Foram incapazes de fazer a lição
de casa! Cavallo propõe, agora, retirar-lhes o poder que sobrou para salvar, de novo, a Argentina. E os lances
teatrais do magnífico ministro mostram que as coisas caminham na direção desejada.
Sua visita ao Brasil foi um sucesso. O
"show" na saída do Itamaraty diante
de três solícitos ministros brasileiros
foi de dar inveja! Veio "comunicar" o
que havia decidido e recebeu entusiástico apoio. Talvez até esperasse alguma resistência (também teatral) brasileira para que pudesse fortalecer-se na
Argentina, mostrando que havia dobrado nossa vontade. Fizemos bem
em dar-lhe suporte, porque é de nosso
interesse que a Argentina saia da crise.
O ministro Cavallo sabe que só existem duas soluções para seu problema:
ou desvalorizar o peso, abandonando
a lei de conversibilidade, ou reduzir os
custos internos por meio de cortes de
impostos, da redução da carga tributária sobre os salários, do aumento da
produtividade e da maior flexibilidade
do mercado de trabalho. Ele sabe,
também, que isso levará algum tempo
e que precisa do crescimento mais cedo para reverter o pessimismo empresarial e reduzir o desemprego.
A receita é velha como a Sé de Braga.
Se o câmbio real está fora do equilíbrio
e não se deseja alterar o câmbio nominal, altera-se a taxa cambial manipulando o "reintegro" nas exportações,
como na China (a uma mesma taxa
cambial nominal corresponde um aumento do valor recebido pelo exportador), e aumentando as tarifas alfandegárias (a uma mesma taxa cambial o
importador paga mais). A combinação dessas duas medidas significa
uma (ineficiente) desvalorização efetiva do câmbio real. Elas poderão ser
eliminadas à medida que as outras políticas (redução de salário nominal,
aumento de produtividade, corte de
impostos) forem produzindo resultados.
Fizeram bem os solícitos ministros
em "autorizar" o ministro Cavallo a
violar as regras do Mercosul. É preciso
agora que sejam tão solícitos com a
nossa Abimaq. Temos de dar aos nossos fabricantes condições isonômicas
para competir no mercado argentino
e impedir que ele seja utilizado para
facilitar a importação de bens de capital para o mercado brasileiro. O governo fez a gentileza com o bolso dos outros. Cabe-lhe, agora, gestar medidas
imediatas para restabelecer nossas
condições de competitividade no
mercado argentino. Não é subsídio. É
isonomia!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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