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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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JOSÉ SARNEY

Não chorem por mim

Todo desastre político é sempre uma soma de erros. Os efeitos da guerra do Iraque continuarão por um tempo imprevisível mesmo depois de seu término. Eles deixarão lições do que se deve e do que não se deve fazer.
A primeira conclusão a que se chega é a de que houve um monumental desastre diplomático. O governo dos Estados Unidos falhou em todos os passos porque desejou um apoio diplomático posterior para uma decisão de força anterior: a guerra. Daí a inutilidade do trabalho de construção da justificativa de armas de destruição em massa, de ameaça à paz mundial, do perigo de armas químicas e tudo o mais que não convenceu ninguém. Nem o respeitável Colin Powell escapou, submetido ao papel de mostrar na ONU documentos adulterados. A única motivação subsistente foi a existência de um ditador execrável, Saddam Hussein, responsável por um dos governos mais cruéis da história contemporânea. Mas não foi certamente por isso que Bush fez a guerra. Ele a fez como um ajuste de contas inserido nos episódios de 11 de setembro. Ninguém o condenou pela invasão do Afeganistão, que foi compreendida e apoiada, justificada pela brutalidade dos atentados terroristas, comandados pelo Taleban. Nenhum vínculo de Saddam com eles foi achado.
O fanático Bin Laden, outra figura abjeta, patológica e desumana, em quem as coisas começam, valeu-se da causa árabe e islâmica para perpetrar seu crime inqualificável. Sua demência despertou outras, e a soma delas está no panorama da crise. Conseguiu detonar duas guerras, obrigou à reformulação de sistemas de segurança e controle de movimentação de pessoas no mundo, modificou leis de garantias individuais, fez que bilhões de dólares fossem desviados para armas e equipamentos, destruiu as Nações Unidas, afastou a Europa dos Estados Unidos.
Ali, o primeiro erro foi a eleição de Bush, minoritário na população americana. Para legitimar-se, buscou a pior de todas as legitimidades: a imagem de senhor da guerra, mão forte e vingador.
O mundo inteiro ficou ao lado dos Estados Unidos contra o terror. De todos os lugares saíram demonstrações de solidariedade e de condenação. Era a hora da coesão e da diplomacia da unidade mundial para enfrentar os problemas que ameaçam a humanidade.
Infelizmente, esse momento foi jogado fora. Queima-se a bandeira americana em todas as partes; multidões e multidões saem às ruas em protesto. Às imagens de revolta dos mortos de Nova York contrapõe-se o inferno dos bombardeios de Bagdá. Surge o titulo da operação no Iraque: "Choque e Pavor"!
O mínimo que se pode dizer é que Bush não esteve à altura do desafio histórico. Sofro pelos Estados Unidos, país pelo qual tenho grande admiração, de onde saíram para o mundo as idéias de liberdade e de direitos humanos. Pátria de Lincoln e Roosevelt, de Jefferson e Washington.
Bush fez o jogo de Bin Laden e Saddam. Desestabilizaram o Ocidente, estenderam o pavor a todas as partes. É a hora de lembrar a canção a Evita Perón: "Não chorem por mim".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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