São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Atalhos e caminhos

Duas calamidades abatem-se sobre o país. O Brasil não cresce e, não crescendo, não tem como fazer justiça aos seus: o desenvolvimento é quase sempre requisito para o avanço social. As instituições republicanas perdem, em vez de ganhar, substância: os acontecimentos recentes apenas confirmam o que já se temia -que o direito, entre nós, não resiste ao conluio entre o poder e o dinheiro.
Nenhum desses dois males começou com o governo atual. O governo anterior já deu impulso aos dois. Por isso mesmo, grande parte do eleitorado reluta em se desfazer dos que governam agora para entregar o poder aos que governavam antes. Ambos os males, porém, persistiram sob o presente governo. A política de dar tudo pela confiança financeira chegou a extremos raramente vistos no mundo desde a década de 1920. E setores do Estado foram, mais uma vez, tomados de assalto por traficantes de influência e de dinheiro enquanto a Justiça -último anteparo contra os assaltantes- foi, mais uma vez, desmoralizada por juízes politiqueiros sentados nos mais altos tribunais. A maioria pobre teve de contentar-se com as migalhas -melhor do que nada- do Bolsa-Família. Só minoria de trabalhadores, porém, goza de emprego dentro da lei, com carteira assinada. A parte que cabe aos salários na renda nacional está num dos pontos mais baixos de nossa história. E as centenas de corpos de trucidados que aparecem todos os dias em nossas cidades lembram o Haiti que nos prestamos a ocupar (para fazer média com os Estados Unidos) e com cuja estagnação econômica já estamos quase empatados.
E agora? Será o país obrigado, na eleição presidencial vindoura, a escolher entre dois candidatos dos banqueiros e dos rentistas, ambos representantes das forças que colaboraram no esvaziamento das instituições republicanas? Nossa primeira obrigação é lutar, ainda, para construir, nessa sucessão presidencial, alternativa de rumo e de poder: nacional, produtivista, capacitadora e legalista, comprometida em botar o Brasil para trabalhar e para aprender e em separar a política dos negócios. Não importa quão pequena seja a base partidária inicial. Se a mensagem for correta, e os mensageiros forem sérios e capazes, a nação transformará o pequeno em grande. As alianças partidárias e sociais necessárias virão por conseqüência.
Pode o próprio presidente, por força das circunstâncias, abraçar, em segundo mandato, a alternativa de que o Brasil precisa? Afinal, não foi por convicção -foi por medo (agravado por falta de idéias sobre outro rumo)- que ele se rendeu. Pode, mas é improvável: a rendição já foi muito longe. Está inscrita naquilo que é mais difícil de mudar: a personalidade. Pode o interesse da oposição tucana em falar, ainda que com pouca credibilidade, em nome da reação republicana servir como ponto de partida para propor nova trajetória aos brasileiros? Pode, mas é improvável: foi por convicção (reforçada por falta de idéias sobre outro rumo) -não por medo- que os tucanos e seus aliados prepararam a ruína do país.
E, se não conseguirmos providenciar a candidatura desejada ou transformar a natureza das candidaturas postas, nem por isso esmoreceremos. Fechados os atalhos, trilharemos, os inconformados e os esperançosos, o caminho longo e penoso: construindo ideário, movimento e partido para dar alternativa ao Brasil. Quando menos se esperar, a nação fará do caminho atalho.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: Do circo ao cerco social
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.