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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Atalhos e caminhos
Duas calamidades abatem-se
sobre o país. O Brasil não cresce
e, não crescendo, não tem como fazer
justiça aos seus: o desenvolvimento é
quase sempre requisito para o avanço
social. As instituições republicanas
perdem, em vez de ganhar, substância: os acontecimentos recentes apenas confirmam o que já se temia
-que o direito, entre nós, não resiste
ao conluio entre o poder e o dinheiro.
Nenhum desses dois males começou com o governo atual. O governo
anterior já deu impulso aos dois. Por
isso mesmo, grande parte do eleitorado reluta em se desfazer dos que governam agora para entregar o poder
aos que governavam antes. Ambos os
males, porém, persistiram sob o presente governo. A política de dar tudo
pela confiança financeira chegou a extremos raramente vistos no mundo
desde a década de 1920. E setores do
Estado foram, mais uma vez, tomados
de assalto por traficantes de influência
e de dinheiro enquanto a Justiça -último anteparo contra os assaltantes-
foi, mais uma vez, desmoralizada por
juízes politiqueiros sentados nos mais
altos tribunais. A maioria pobre teve
de contentar-se com as migalhas
-melhor do que nada- do Bolsa-Família. Só minoria de trabalhadores,
porém, goza de emprego dentro da lei,
com carteira assinada. A parte que cabe aos salários na renda nacional está
num dos pontos mais baixos de nossa
história. E as centenas de corpos de
trucidados que aparecem todos os
dias em nossas cidades lembram o
Haiti que nos prestamos a ocupar (para fazer média com os Estados Unidos) e com cuja estagnação econômica já estamos quase empatados.
E agora? Será o país obrigado, na
eleição presidencial vindoura, a escolher entre dois candidatos dos banqueiros e dos rentistas, ambos representantes das forças que colaboraram
no esvaziamento das instituições republicanas? Nossa primeira obrigação
é lutar, ainda, para construir, nessa sucessão presidencial, alternativa de rumo e de poder: nacional, produtivista,
capacitadora e legalista, comprometida em botar o Brasil para trabalhar e
para aprender e em separar a política
dos negócios. Não importa quão pequena seja a base partidária inicial. Se
a mensagem for correta, e os mensageiros forem sérios e capazes, a nação
transformará o pequeno em grande.
As alianças partidárias e sociais necessárias virão por conseqüência.
Pode o próprio presidente, por força
das circunstâncias, abraçar, em segundo mandato, a alternativa de que o
Brasil precisa? Afinal, não foi por convicção -foi por medo (agravado por
falta de idéias sobre outro rumo)-
que ele se rendeu. Pode, mas é improvável: a rendição já foi muito longe.
Está inscrita naquilo que é mais difícil
de mudar: a personalidade. Pode o interesse da oposição tucana em falar,
ainda que com pouca credibilidade,
em nome da reação republicana servir
como ponto de partida para propor
nova trajetória aos brasileiros? Pode,
mas é improvável: foi por convicção
(reforçada por falta de idéias sobre outro rumo) -não por medo- que os
tucanos e seus aliados prepararam a
ruína do país.
E, se não conseguirmos providenciar a candidatura desejada ou transformar a natureza das candidaturas
postas, nem por isso esmoreceremos.
Fechados os atalhos, trilharemos, os
inconformados e os esperançosos, o
caminho longo e penoso: construindo
ideário, movimento e partido para dar
alternativa ao Brasil. Quando menos
se esperar, a nação fará do caminho
atalho.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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