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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O sofisma previdenciário

CESAR MAIA

As propostas firmadas pelo presidente da República e a grande maioria dos governadores sobre o sistema previdenciário são, como argumento, sofismas que têm por objetivo não aquilo que se diz, mas usar os aposentados e viúvas como bode expiatório para reduzir o déficit público, que está longe de ser explicado pelas exceções expostas. Estando no limite da capacidade de tributar em geral, eles criam novos expedientes que ampliam a carga tributária -só que, agora, focada. Os argumentos são frágeis e perigosos, a começar pelos próprios números do déficit previdenciário que exaltam.
No final de 1998, o Congresso Nacional legislou sobre o sistema previdenciário público, e essa lei nem sequer foi respeitada pelo próprio governo federal. Destaco dois pontos: o primeiro, que proíbe o setor público em geral de incluir no gasto previdenciário o gasto assistencial. Pois é o próprio governo federal que transfere ao INSS despesas assistenciais suas com não-contribuintes da Previdência e que, hoje, representam quase a metade do gasto efetivamente previdenciário. Aquele é gasto fiscal mesclado com previdenciário para iludir o dimensionamento do déficit e exponenciar os problemas previdenciários. O segundo é a obrigação, não cumprida pelo setor público em todos os níveis, de transferir efetivamente, como encargos patronais, o dobro da contribuição dos servidores. A Prefeitura do Rio tem respeitado essa legislação.


A proposta de teto linear em cinco ou dez salários mínimos, como se discute, é um brutal arrocho salarial


Além disso, desde a Constituição de 1988, exige-se um encontro de contas entre o INSS e o setor público, de forma que o desconto previdenciário realizado durante anos por uma instância possa ser transferido a outra, que arcará com os proventos de aposentadoria. Além do mais, dever-se-ia calcular o quanto de receitas previdenciárias foi desviado sem volta para financiamento de programas de desenvolvimento econômico e social e que, portanto, deveriam ser contabilizadas como responsabilidade fiscal e retransferidas à Previdência. Este é, talvez, o maior "esqueleto" existente, que nunca foi contabilizado e que vem desde os anos 50.
Somente a partir do correto dimensionamento do déficit previdenciário seria possível conhecer seu efetivo déficit, visando a um estudo atuarial capaz de indicar o esforço financeiro a longo prazo que caberia a empregadores e empregados e à sociedade. Da forma que a questão vem sendo posta, trata-se levianamente de misturar o déficit conjuntural de caixa do setor público com o estrutural do sistema previdenciário, criando novas fontes de receita e reduzindo despesas, para dar fôlego fiscal aos mandatos dos governantes.
Outro ponto central do sofisma previdenciário é o irresponsável e liberalóide argumento segundo o qual as previdências do setor público estatutário e do setor privado e público não-estatutário devem ser tratadas da mesma maneira. Como é possível imaginar que funções que constituem os pilares do Estado moderno, pois são seus monopólios absolutos, possam ter seu corpo de servidores submetido à mesma lógica previdenciária privada, se cabe a eles a fiscalização e punição desse setor privado?
Há, ainda, mais um elemento da proposta -este de fácil exploração política-, que fala da idade mínima para a aposentadoria. A opinião pública termina se dobrando à demagogia. Em primeiro lugar, porque esse argumento é contraditório ao argumento básico de equilíbrio atuarial via sistema de capitalização. Em segundo lugar, as categorias não podem, no caso do setor público, ser tratadas de uma mesma maneira. Exemplo disso é o magistério, cuja tipicidade no caso de regência continuada exige um tempo de serviço menor.
No entanto um tema que o presidente e os governadores evitaram diz respeito ao equilíbrio estrutural do sistema: a enorme taxa de informalidade na economia. Esta afeta a Previdência nas duas pontas do tempo -seja pela menor captação conjuntural, seja por transformar em gasto assistencial a longo prazo o que deveria ser um gasto previdenciário coberto por contribuições.
A responsabilidade social e fiscal exigiria que não se tratasse um assunto complexo como este de afogadilho. Apenas duas medidas deveriam ser adotadas a curto prazo. Uma delas seria a constitucionalização detalhada do teto remuneratório no setor público, que, por falta de precisão, tem sido ultrapassado por reiteradas decisões judiciais. A outra seria a proporcionalização da paridade na aposentadoria e pensão, incorporando ao direito sobre os proventos o tempo de serviço em que efetivamente ocorreu.
A proposta de teto linear em cinco ou dez salários mínimos, como se discute, é um brutal arrocho salarial que nada tem a ver com cálculos atuariais e equilíbrio previdenciário, mas com o sufoco de caixa de um setor público quase sempre administrado apenas para as próximas eleições. Os sofismas inclusos na retórica usada impressionam os meios de comunicação e, através deles, uma sociedade sacrificada por uma economia que enfrenta um longo ciclo de estagnação e que, de boa fé, está sempre pronta a acreditar no bode expiatório do dia.

Cesar Epitácio Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 96.


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