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DEMÉTRIO MAGNOLI
Preto no branco
Nos EUA , as políticas de ação afirmativa de cunho racial começaram na década de 70. No decênio anterior, a parcela de negros abaixo da linha de pobreza reduziu-se de 47% para 30%. Na "década das cotas", a redução atingiu apenas um ponto percentual. Na África do Sul, o fim do regime
do apartheid, em 1994, deu lugar a um
programa ambicioso de ação afirmativa. Contudo, entre 1995 e 2000, a renda média das famílias negras reduziu-se em 19%, uma ínfima elite negra associou-se à elite branca e a desigualdade nacional de renda aumentou. O arcebispo Desmond Tutu, líder histórico antiapartheid, acusou o programa
de "beneficiar não a maioria, mas uma
elite que tende a se reciclar".
Ação afirmativa e aprofundamento
das desigualdades sociais andam juntas, pois a primeira é um elemento das
políticas compensatórias implantadas
por governos que adotam orientações
econômicas ultraliberais. Sob essas
orientações, os fundos públicos destinados a assegurar direitos universais
(educação, saúde, transporte etc.) são
desviados para subsidiar a acumulação privada de capital, enquanto as
políticas compensatórias funcionam
como instrumentos de legitimação
dos governos e cooptação dos movimentos sociais.
O programa de cotas raciais surgiu
nos EUA como reação conservadora
ao movimento pelos direitos civis e
propagou-se, entre ativistas negros,
sob o patrocínio de instituições do establishment como a Fundação Ford. A
ruptura do movimento negro americano com a plataforma anti-racial de
Martin Luther King adquiriu dimensões internacionais na Conferência da
ONU contra o Racismo (Durban,
2001). As resoluções de Durban expressam o acordo entre o pensamento
ultraliberal americano e a "elite que
tende a se reciclar" da África do Sul.
Elas tornaram-se doutrina oficial do
governo Lula, implementada pela Secretaria da Igualdade Racial e pelo
MEC.
O Prouni evidencia a função das políticas de ação afirmativa. A compra
das vagas ociosas representa vasto
subsídio público ao ensino superior
privado sob a forma de isenções tributárias. O programa não abre uma única vaga nova nas universidades públicas, mas funciona como meio de
cooptação política de entidades estudantis (UNE) e ONGs do movimento
negro (Educafro), que hoje atuam
quase como tentáculos do Estado.
A operação de cooptação estatal de
ONGs do movimento negro tem seu
núcleo no programa de cotas "raciais"
nas universidades públicas. Em torno
dele, elabora-se um discurso racista de
desprezo ao princípio da igualdade
política dos cidadãos, que é apresentado como farsa destinada a congelar as
desigualdades sociais. O apelo racial
desse discurso contorna a falácia argumentativa pelo recurso à acusação
de que os opositores representam um
"olhar branco" ou os interesses de
uma "raça branca".
A cooptação funciona, pois as cotas
raciais atendem aos interesses imediatos das ONGs do movimento negro,
mesmo se nada significam para os negros da base da pirâmide social. A nova agenda política dessas ONGs não
prioriza os interesses da maioria dos
negros, como a reconstrução da educação pública ou a restauração do poder de Estado nas favelas do Rio de Janeiro. É uma agenda conservadora de
natureza clientelista, que pede privilégios a poucos e acomoda-se à expansão das desigualdades sociais.
Demétrio Magnoli escreve nesta coluna às
quintas-feiras
@ - magnoli@ajato.com.br
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