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Desafinado
Promessa de novo ministério, feita por José Serra na TV, não combina com defesa tucana de máquina estatal "enxuta"
DADA A POBREZA de
ideias que tem caracterizado a disputa presidencial até agora, chamam atenção declarações feitas
pelo candidato tucano, José Serra, num programa televisivo de
grande audiência popular.
O tema da segurança pública,
priorizado com notória estridência na pauta do apresentador,
ocupou boa parte da entrevista.
Do ponto de vista retórico, Serra
conseguiu equilibrar-se entre o
recurso a um vocabulário de impacto ("pedófilo maldito", "crime covarde" etc.) e a reafirmação, bem-vinda naquelas circunstâncias, de seu compromisso com os direitos humanos.
No campo das propostas concretas, o peessedebista foi oportuno ao expressar seu inconformismo com algumas liberalidades do sistema penal brasileiro,
que por exemplo assegura a condenados por crime hediondo,
mesmo se reincidentes, o benefício da redução do seu tempo de
encarceramento.
O ponto mais memorável da
entrevista de José Serra, entretanto, corresponde a velho hábito das campanhas. A cada urgência da população, promete-se
criar um novo órgão para cuidar
especialmente do assunto.
Foi assim que o candidato tucano falou em constituir, caso
eleito, um "Ministério da Segurança Pública" -que viria a somar-se, aliás, a uma pasta para
portadores de deficiência, prometida poucos dias atrás.
Cabe perguntar de que modo o
aumento de ministérios se concilia com o conceito de "Estado
musculoso e enxuto", que o ex-governador defende para o país.
Não foram poucas as críticas
da oposição ao excesso de ministérios no governo Lula. O caso
mais célebre, o da pasta dedicada
aos assuntos da Pesca, serviu como que para abreviar, figurativamente, um fenômeno mais amplo na administração federal, o
da multiplicação de cargos e empregos. Em 2003, eram 485 mil
os funcionários civis do Executivo na ativa; passaram a perto de
553 mil em dezembro de 2009.
A proposta de novos ministérios certamente diminui a credibilidade de Serra para criticar situações desse tipo.
Credibilidade que se torna ainda menor, de resto, quando os
olhos se voltam para o próprio
governo paulista. De 2002 a
2009, as administrações tucanas
também aumentaram o seu quadro administrativo, ainda que
em percentual menor do que o
governo federal.
Convidado pelo apresentador
do programa a cantar uma canção de sua preferência, Serra não
teve como recusar-se; arriscou o
"Chega de Saudade", de Tom Jobim. Ao sair do estúdio, entoou
ainda "Desafinado", do mesmo
compositor.
Duas canções apropriadas ao
contexto. Interessado em não se
mostrar nostálgico do governo
Fernando Henrique Cardoso
-que efetuou drástica redução
na máquina pública-, Serra promete novos ministérios e Estado
enxuto ao mesmo tempo. Objetivos que, se não são incompatíveis em tese, cercam de dissonância as mensagens do tucano.
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