São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

A lição grega

A TRAGÉDIA GREGA impressiona. Com 2.500 anos de história e fonte inspiradora da cultura ocidental, a Grécia sofre as consequências de uma imprevisão quase inacreditável. Está terminando num patético "IMF go home", que parecia apenas coisa da "esclarecida" esquerda da América Latina. E, no entanto, o FMI, com um aporte de 10 bilhões a 15 bilhões, e a União Europeia, com 30 bilhões, estão tentando salvar a Grécia de um "default" que a expulsaria da zona do euro.
Consumada como se consumou a capacidade do país de viver à custa da poupança mundial, com uma dívida pública de quase 300 bilhões (115% do PIB) e um deficit orçamentário de 13,6% do PIB (quando o compromisso para entrar na zona do euro era de deficit fiscal anual máximo de 3% do PIB e dívida/PIB máxima da ordem de 60%), as perguntas mais interessantes a fazer talvez sejam: há outra saída além de 1º) um "default", que cortaria instantaneamente o consumo alimentado pelo fluxo de recurso externo, ou de 2º) um arranjo para acomodar o ajuste do consumo durante alguns anos? A resposta é não!
O problema grego ilustra dois fatos elementares. O primeiro é que nenhum país pode viver permanentemente de recursos fornecidos por credores externos. Credores são selvagens: querem receber o que irresponsavelmente emprestaram no tempo das vacas gordas!
O segundo é em relação ao FMI. Com sua arrogância, duvidosa ciência e receitas ideológicas, ele alivia a situação dos países, permitindo que a transição da "alegre vida" à custa de financiamento para a "dura vida" à custa de trabalho seja feita paulatinamente.
Atribuir, porém, os seus problemas ao FMI equivale a atribuir os incêndios aos bombeiros que vieram apagá-lo, e não aos governos piromaníacos que os produziram. A questão é física: por bem ou por mal, com ou sem FMI, o consumo e o investimento gregos somados não podem mais ser maiores do que o PIB que produzem.
Em outras palavras, o "excesso" de consumo e de investimento que era financiado pelo exterior vai ser "cortado", com ele ou sem ele. Com ele, o corte do consumo se ajustará por vários anos e, provavelmente, será menos dramático. A grande lição da crise grega para os países emergentes em relativo equilíbrio interno e externo e montados em "reservas" que caíram do céu da expansão mundial é recordar "que as consequências vêm sempre depois".
Deficits fiscais produzidos por políticas distributivas exageradas, aumentos cumulativos automáticos de despesas de custeio que sacrificam os investimentos públicos e câmbio valorizado são uma boa receita para transformar a alegria de curto prazo em tragédia grega no longo prazo...

contatodelfimnetto@uol.com.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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