São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES China, uma aposta de alto risco
JEFFERSON PÉRES
Entendo que, em comparação aos três candidatos descartados -Europa, União Soviética e Japão- ao posto de pólo rival dos EUA, a China talvez seja, pelas suas fragilidades, a que menos condições reúne para alcançá-los. Nenhum dos outros apresentava tantos desafios e incertezas em todos os campos: político, social e econômico. Politicamente, persiste o problema da contradição insanável entre, de um lado, um sistema institucional totalitário e, de outro, uma economia de mercado cada vez mais aberta. A abertura política terá de ocorrer, cedo ou tarde. E mesmo que ocorra de forma não traumática, gradualmente, ainda assim haverá de liberar forças e gerar pressões com grande potencial de desestabilização. Socialmente, o país passou de um modelo igualitário, com baixos salários, mas de pleno emprego e muitos benefícios previdenciários, para outro, de salários mais altos, mas sem rede de proteção e com precários direitos trabalhistas. Também nesse aspecto há fontes de tensão potencialmente graves. Economicamente, o crescimento acelerado e o aumento da produtividade, que espantam o mundo, terão de sofrer desaceleração, devido aos problemas do sistema financeiro, das pressões inflacionárias, dos estrangulamentos na infra-estrutura e do passivo ambiental. E não sabemos as conseqüências do desaquecimento econômico se a dose for muito forte. É uma incógnita. No tocante às relações bilaterais com o Brasil, mesmo que lá não ocorra o pior, nem por isso deixaremos de ter problemas a médio e longo prazos, embora possamos ganhar de imediato. A prazo médio, problemas poderão surgir porque a China, à semelhança do que ocorreu com outros "tigres asiáticos", em seu processo de industrialização, está passando da fabricação de artigos intensivos em mão-de-obra para outros, com maior agregação de valor. No campo dos manufaturados, logo o setor industrial chinês deixará de ser complementar, para se tornar concorrencial ao nosso. Um perigo enorme, tendo em vista a sua maior competitividade. No longo prazo, o modelo de desenvolvimento da China é ecologicamente insustentável. Trata-se de um monstro energívoro, deglutidor de matérias-primas, destruidor de recursos naturais e altamente poluidor. A ser mantido, a elevação dos padrões de consumo da sua população destruirá o planeta inteiro. O futuro da China é, assim, um enigma dramático, porque indecifrável não daqui a 50, mas daqui a cinco anos. Não significa dizer que não façamos parcerias pontuais com aquele país. Significa que não devemos elegê-lo, açodadamente, como nosso parceiro privilegiado. Seria, repito, uma aposta de altíssimo risco e que pode revelar-se tragicamente equivocada, porque sua derrocada nos arrastaria junto. Para repetir a voz do povo, devagar com o andor, que o santo é de barro. Ou melhor, para ficar com a metáfora da argila, muito cuidado, porque o gigante tem pés de barro. Jefferson Péres, 72, advogado, é senador pelo PDT-AM. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Fernando Reinach e Fernando Reinach: Doutores para quê? Índice |
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