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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Constituição e as células-tronco adultas
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Não é preciso destruir embriões. A esperança da medicina encontra-se na pluripotencialidade induzida das células-tronco adultas
A CONSTITUIÇÃO brasileira declara, no "caput" do artigo 5º,
que o direito à vida é inviolável;
o Código Civil, que os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção (artigo 2º); e o artigo 4º do
Pacto de São José, que a vida do ser
humano deve ser preservada desde o
zigoto. O argumento de que a Constituição apenas garante a vida da pessoa nascida -não do nascituro- e
que nem sequer se poderia cogitar de
"ser humano" antes do nascimento é,
no mínimo curioso: retira do homem
a garantia constitucional do direito à
vida até um minuto antes de nascer e
assegura a inviolabilidade desse direito a partir do instante do nascimento.
De rigor, a Constituição não fala em
direito inviolável à vida em relação à
pessoa humana, mas ao ser humano,
ou seja, desde a concepção. Lembro-me, inclusive, do argumento do professor Jérôme Lejeune, da Academia
Francesa, para quem, se o nascituro
está vivo e não é um ser humano, então é um ser animal, de tal maneira
que todos os que defendem essa tese
admitem ter tido, no correr de sua vida, uma natureza animal, antes do
nascimento, e uma natureza humana,
depois dele.
Tais considerações são feitas, talvez, para justificar o interesse de alguns de transformar seres humanos,
em sua forma embrionária, em cobaias de laboratório, objetivando pesquisas no campo da medicina regenerativa. Por isso, sustentam que, enquanto embrião, o homem ainda não
seria ser humano.
Na minha pessoal visão, o que a
Constituição garante é o direito à vida, desde a concepção, sendo tal direito inviolável.
E também aqui um esclarecimento
faz-se necessário, agora, do ponto de
vista da biomedicina.
Em 1998, J. Thomson isolou, do
embrião humano, as CTEH (células-tronco embrionárias humanas), gerando grande expectativa na comunidade científica, pois, apesar de provirem da destruição de seres humanos
no seu estágio embrionário, poderiam ser utilizadas para a cura de inúmeras doenças.
Até hoje, todavia, após dez anos de
estudos e pesquisas em países que
ainda permitem a destruição de embriões humanos -muitos países em
estágio superior de civilização a proíbem; outros já estão deixando de lado
tais investigações-, não se conseguiu
nenhum resultado positivo, apesar
dos bilhões de dólares aplicados.
O grande argumento é o de que tais
células seriam "pluripotentes" e,
quando as investigações forem bem
sucedidas, poderiam curar um número maior de doenças.
As investigações com células-tronco adultas, apesar de já apresentarem
resultados positivos, sendo utilizadas
por mais de 20 mil pessoas em estudos clínicos e terapias de 73 tipos de
doenças, eram consideradas, pela comunidade acadêmica, de espectro
menos abrangente, pois apenas "multipotentes", não podendo produzir os
mesmos efeitos regeneradores das
embrionárias.
Ocorre que, em novembro de 2007,
o mesmo J. Thomson, nos EUA, e Yamanaka, no Japão, conseguiram produzir células-tronco adultas pluripotentes induzidas, passando a ter espectro aplicacional semelhante àquele prometido -e, até hoje, não obtido- com células-tronco embrionárias. E, em 14 de fevereiro deste ano,
Yamanaka anunciou a produção de
células-tronco pluripotentes induzidas sem riscos de gerar tumores. As
embrionárias importam tal risco, assim como o da rejeição.
A declaração de Yamanaka é suficientemente expressiva: "Quando vi o
embrião, eu repentinamente percebi
que não havia muita diferença entre
ele e minhas filhas. Eu pensei, nós não
podemos continuar destruindo embriões para nossa pesquisa. Deve haver outro meio". "Minha meta é evitar
usar células embrionárias" ("The
New York Times", 11/12/07).
Não sem razão, do site do governo
do Canadá consta relatório com a seguinte conclusão: "Recentemente, o
debate sobre o uso de embriões como
uma fonte de células-tronco pode tornar-se desnecessário, na medida em
que as pesquisas vêm mostrando significativos sucessos na demonstração
da pluripotencialidade das células-tronco adultas, originárias de músculos, cérebro e sangue".
Compreendo, pois, a posição dos
cientistas brasileiros, professores Alice Teixeira, Cláudia Batista, Dalton
de Paula Ramos, Elizabeth Kipman,
Herbert Praxedes, Lenise Martins
Garcia, Lilian Piñero Eça, Marcelo
Vaccari, Rodolfo Acatauassú, Antônio
Eça e Rogério Pazetti, quando declaram que a esperança da medicina regenerativa encontra-se na pluripotencialidade induzida das células-tronco adultas.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 73, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior
de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária.
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