São Paulo, sábado, 28 de maio de 2011

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RUY CASTRO

Três minutos e meio

RIO DE JANEIRO - Quando me contam que, na noite anterior, o festejado escritor fulano autografou 1.500 livros no lançamento de seu novo romance, ensaio ou biografia, ponho-me a fazer contas.
Do momento em que o leitor chega à mesa com seu exemplar; cumprimenta ou abraça o autor; troca com ele uma ou duas palavras; o autor senta-se para escrever a dedicatória (e mesmo que se limite a uma simples assinatura); devolve o livro autografado ao leitor; este o cumprimenta ou abraça de novo; e o leitor se afasta para dar lugar ao seguinte na fila -pelo menos um minuto terá se passado. Donde, 1.500 livros serão 1.500 minutos.
Ou 25 horas. Isto, se o autor não se levantar da mesa nem para ir ao pipi -o que, com tantos goles d'água ou bicadas no prosecco, é impossível. Donde os 1.500 livros autografados de uma sentada são apenas uma ilusão aritmética.
Da mesma forma, quando me dizem que o cantor beltrano foi aplaudido de pé por 20 minutos ao fim de seu show em Itu, Botucatu ou Timbuktu. Marque no seu relógio e experimente aplaudir por 20 minutos sem parar -de pé ou sentado, tanto faz. Não há mãos ou braços que aguentem. E mesmo que esses se revezem numa plateia de milhares, chegará um momento em que a cabeça ou outro órgão dirá que chega, vamos parar.
O tempo passa de várias formas para nós e se, em alguns casos, ele se arrasta, em outros parece voar. Mas cada minuto será sempre um minuto, se você ficar de olho no ponteiro. Experimente, por exemplo, contar de 1 a 210 -pausadamente, segundo a segundo, olhando para o mostrador. Terá uma ideia do tempo que o Airbus 447 da Air France levou para cair, do momento em que perdeu a sustentação aerodinâmica até se chocar de barriga com o Atlântico a 200 km/h. Três minutos e meio. Cada passageiro conheceu, ali, a sua noção de eternidade.


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