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Jogo de cena
Lula e FHC trocam farpas, mas entre as suas administrações existem mais semelhanças do que gostariam de admitir
"MUDANÇA ". O discurso de posse
do presidente
Luiz Inácio Lula de Silva teve início precisamente nesses termos, com a palavra isolada na frase para realçar-lhe o efeito. Se à época a
perspectiva soava auspiciosa,
hoje sobram apenas a empostação do pronunciamento e seu
travo retórico.
Tendo em vista as principais
diretrizes na prática adotadas
pelo governo Lula, "continuidade" seria termo bastante mais
preciso. Nenhum dos pilares
adotados ao longo dos oito anos
da administração Fernando
Henrique Cardoso foi modificado de forma substantiva. Daí que
haja muito de teatral nas acusações trocadas entre ambos nos
últimos dias. Trata-se de um jogo
de cena em que a precisão factual
importa menos do que a tentativa de forjar uma polaridade e delinear as forças em disputa.
O presidente Lula, desde o último sábado oficialmente no posto
de candidato à reeleição, alvejou
o antecessor ao lembrar os juros
do Banco Central no ano de 1995.
Teria acertado o alvo, não houvesse mirado a própria fragilidade: 11 anos depois, o país continua a praticar as taxas mais altas
do planeta. A gestão petista em
nada alterou a despesa inadmissível em que há anos vem incorrendo o Estado a título de remuneração de seus credores.
Em resposta, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso
acusou Lula de permitir a valorização excessiva do real em relação ao dólar. Faltou mencionar
que a apreciação artificial do
câmbio marcou o primeiro mandato do tucano e acarretou déficits recordes nas transações com
o exterior e bilhões a mais em dívida pública na tentativa, vã, de
sustentar aquela política.
A troca de farpas esconde uma
semelhança maior do que os
oponentes gostariam de admitir.
FHC e Lula adotaram um modelo que conjuga juros altos e carga
tributária asfixiante -sem falar
dos episódios de "populismo
cambial" com objetivo eleitoral
que os acometeram. Ambos colheram resultados pífios na geração de emprego e de renda e no
crescimento econômico.
Mesmo sob a ótica das políticas sociais -dileta bandeira petista-, semelhanças ultrapassam diferenças. Após abortar o
caótico Fome Zero, Lula empenhou-se em unificar e ampliar a
cobertura de programas de
transferência de renda formulados durante a gestão tucana. Se
os resultados parciais em termos
de defesa do poder de compra
dos mais pobres se mostram positivos, o ritmo de elevação do
gasto público que essa política
demandou será insustentável se
forem mantidas as baixíssimas
taxas de crescimento do país.
Apontar propostas para ajustar o modelo econômico, sanar o
inchaço da máquina pública, fazer o Estado voltar a investir sem
tomar mais dinheiro da sociedade e melhorar o desempenho
medíocre do PIB tem ficado sistematicamente fora do horizonte político tanto de petistas como
de tucanos. Por ora, a prioridade
parece ser afiar o verbo, destilar
veneno e ganhar a disputa apenas na retórica.
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