São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

A estagbilidade e os Morales

UM ESPECTRO ameaça a economia brasileira. Não se trata da gripe aviária ou dos programas de transferência de renda do presidente Lula. Trata-se dos conselhos da tribo mais "pop" da nação dos economistas, os "divinissimus homines econometrici" -na verdade, "littérateurs peu divertissants", como diria Thiers. Freqüentemente eles se esquecem, como já informava a "Encyclopédie" (1751/72), que, em relação às hipóteses, é preciso evitar dois excessos: o primeiro é levá-las muito a sério; o segundo é esquecê-las. É exatamente por isso que devemos tratar suas afirmações apodícticas -pretensas necessidades lógicas acima da realidade social e da história- com alguma generosidade e muita desconfiança. A generosidade deve ser menor, e a desconfiança maior, quando se trata de proposições ligadas aos "cientistas" da economia financeira, completamente alienada da realidade do "chão da fábrica", onde os homens comuns, de carne e osso, procuram realizar-se no seu trabalho. Basta ver a comemoração do "mercado financeiro" quando recebe a notícia de que o desemprego aumentou... Nesta "ciência", falta uma hipótese: o povo, que, com a existência do "sufrágio universal", se manifesta periodicamente nas urnas e corrige os excessos cometidos pela política econômica inspirada na última moda "neoliberal". Há 12 anos estamos vivendo uma "estagbilidade"; uma importante estagnação com uma precária estabilidade. Não há como continuar a dizer ao cidadão sofrido e em estado de necessidade que "tenha paciência, porque, no devido tempo, o mercado vai atendê-lo!". É preciso entender que a recusa do cidadão tem razão mais profunda do que a simples fadiga da espera. À custa de sofrer, ele acaba incorporando a percepção de que não tem o poder e a capacidade de cuidar de si mesmo, que sua situação é resultado das forças cegas do "mercado", que, de fato, ele pertence ao "mercado"! É aqui que, pelo "sufrágio universal", as urnas trazem os "Morales", produto do esgotamento da paciência dos bolivianos, que esperaram 20 anos pelos benefícios prometidos pela estabilização neoliberal "bem-sucedida". No Brasil, temos de cuidar do crescimento do PIB e do emprego, mas também da instituição de redes de amparo aos mais necessitados, sem descuidar do equilíbrio fiscal. Se insistirmos na "pureza neoliberal", que entrega os homens à antropofagia mercadista, um dia as urnas trarão alguns "Morales" que já nos espreitam atrás da esquina...

dep.delfimnetto@camara.gov.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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