São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2007

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A meta informal

Decisão do governo Lula sobre a meta de inflação de 2009 foi ruim, pois lançou incertezas acerca da operação do sistema

PELA PRIMEIRA vez desde que o sistema de metas foi implantado, o resultado da reunião de anteontem do Conselho Monetário Nacional para definir o nível de inflação tolerável em 2009 tinha importância relativamente reduzida. Mas o governo Lula conseguiu, mais uma vez, criar um problema onde ele não existia.
Manter o alvo em 4,5% ao ano ou baixá-lo para 4% faria pouca diferença. Em ambos os casos, estaria reafirmado o compromisso do governo com a inflação baixa, uma conquista da sociedade. A etapa mais dramática do processo de desinflação, iniciado em meados de 2002, já foi vencida. O fortalecimento das contas externas, favorecido por um longo período de bonança econômica global, dificulta o retorno a patamares elevados de inflação.
Em meio a um cotejo tão tênue de custos e benefícios entre uma ou outra opção, esta Folha preferiria que o alvo de 4,5% houvesse sido mantido por mais dois anos. Seria uma segurança a mais para o processo de transição, em curso, rumo a níveis de juros mais baixos, compatíveis com os internacionais, e a um perfil de dívida pública menos oneroso para os contribuintes.
Já os que propugnavam pela diminuição da meta a ser perseguida pelo Banco Central acenavam com os ganhos incrementais de confiança que a atitude representaria para a economia. Com mais confiança, mais investimentos seriam realizados, mais capital de fora fluiria para cá, e o crescimento da atividade poderia prolongar-se sem ameaça à estabilidade dos preços.
Qual rei Salomão, o presidente Lula decidiu contentar cada lado do debate com meia vitória. A meta oficial para a alta do IPCA em 2009 foi mantida em 4,5%, mas criou-se a figura da meta informal, de 4%, a ser perseguida na prática pelo Banco Central. Foi a pior decisão possível. Além de desperdiçar as vantagens potenciais de uma ou outra opção à mesa, ela contribuirá para lançar dúvidas sobre como vai comportar-se o sistema de metas daqui para a frente.
O Brasil adota, desde 1999, uma política antiinflacionária baseada na transparência. Os agentes sabem de antemão qual alvo o BC perseguirá e com que margem de tolerância. A um custo excessivo para o emprego e a renda -e com o auxílio de mais de quatro anos de estabilidade financeira e crescimento econômico no planeta-, o fato é que hoje as expectativas de mercado estão em sintonia com as diretrizes da política monetária.
Não há razão para perturbar essa conquista -a convergência das expectativas dos agentes com as metas perseguidas pelo BC é o fulcro conceitual do sistema- com a adoção de uma meta informal. A lendária incapacidade de decidir do presidente Lula conseguiu a proeza de lançar para dentro do sistema de metas uma disputa não resolvida entre seus assessores. Está aberto um novo flanco de incerteza: a meta perseguida será a do presidente do BC (4%) ou a do ministro da Fazenda (4,5%)?
Trata-se de um ruído que poderá acarretar novos custos desnecessários à economia do país.


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