São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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O MEDO DA DEPRESSÃO

O sombrio cenário mundial, cinco anos depois do colapso do baht tailandês, que deflagrou a crise asiática, desafia a imaginação e o conhecimento de economistas, governos e empresas. A hipótese de uma depressão mundial torna-se a cada dia mais provável.
Há cerca de quatro anos, a idéia de que o mundo rumava para uma nova depressão foi apresentada e discutida por um dos mais importantes economistas da atualidade, Paul Krugman. Em seu livro "O Retorno da Economia da Depressão", ele ainda se mantinha otimista, confiante no poder de reação dos governos.
Na mesma época, o célebre especulador George Soros lançava outra obra de tons sombrios. Em "A Crise do Capitalismo Global", o alerta envolvia ameaças à noção de sociedade aberta, um dos bordões exaustivamente repetidos pelos ideólogos da globalização financeira radical.
Como J. M. Keynes, observador da crise de 29, Krugman e Soros escreveram com o intuito de evitar os efeitos autodestrutivos do capitalismo. Eles comungam de uma idéia básica: as expectativas de enriquecimento criadas pelos sistemas financeiros são insustentáveis. Mais cedo ou mais tarde, vem o ajuste de contas.
A esquizofrenia entre riqueza criada na produção e acumulação de capitais financeiros torna a economia mundial instável. Para esses analistas, a consciência do problema seria o ponto de partida para a ativa intervenção dos governos. O otimismo reformista foi desautorizado no curto período que se seguiu à publicação de seus alertas. Os governos tornaram-se frágeis dadas a magnitude e a rapidez dos fluxos globais de capital.
A corrida maluca dos investidores internacionais em busca de oportunidades ou proteção ficou evidente a partir da crise asiática. Mas o que parecia em princípio um movimento defensivo de frustração com os então chamados "mercados emergentes" tornou-se uma fobia generalizada.
A aversão ao risco foi crescendo. Sem novas oportunidades de mercado e sofrendo perdas significativas na Ásia e na América Latina, os investidores se refugiaram no mercado financeiro dos EUA. Essa fuga em busca de qualidade criou um "empoçamento" de capitais que prolongou a fase de prosperidade nos EUA. Mas criou também expectativas novamente insustentáveis de valorização de empresas e empreendimentos.
A frustração de expectativas era inescapável. O crescimento das empresas dos EUA dependia do crescimento do resto do mundo. Mas o resto do mundo já não podia mais crescer sem o dinamismo dos "emergentes" -o Japão estava estagnado e a União Européia, mais preocupada em conferir austeridade a sua nova moeda.
Sem fontes vigorosas de demanda por seus produtos, as economias e as empresas tentam ainda refugiar-se em medidas protecionistas. A reação defensiva apenas piora o quadro, sem que os governos tenham força ou engenho para transformá-lo.
No passado, crises eram vistas como oportunidades para os governos alçarem empresas e mercados para fora da areia movediça da depressão.
Sem contar mais com essa opção, a economia mundial é palco de uma ampla e irreversível queima de capitais. Os Estados poderão talvez fazer apenas o rescaldo, num futuro que ainda não se sabe quando virá. A euforia financeira recente termina como terminaram outras, destruindo empresas, moedas e governos.


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