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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2003

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FERNANDO RODRIGUES

Mentalidade pré-histórica

BRASÍLIA - Foi sancionada na semana passada pelo presidente Lula a lei que obriga os proprietários de celulares pré-pagos a se cadastrarem apresentando RG, CPF e um comprovante de endereço.
Eis aí a associação da ignorância com a boa-fé causando um desserviço ao país. O objetivo é nobre. Dificultar a ação de criminosos.
O Brasil tem sorte de nenhum ladrão ter feito uma bomba-relógio com um desses despertadores vendidos por camelôs. Logo apareceria um deputado ou senador propondo uma lei exigindo o cadastramento dos proprietários de relógios.
Há no Brasil 38,043 milhões de celulares. Desses, 27,744 milhões são do modelo pré-pago. Parte dos usuários já está cadastrada em alguns Estados. A maioria terá de se apresentar com os documentos em mãos.
É evidente que os comparsas de Fernandinho Beira-Mar já estão providenciando fotocópias de seus documentos pessoais. Não vão descumprir uma lei sancionada por Lula.
Futuros usuários de pré-pagos já deverão se apresentar nas lojas com os documentos. O atendente estará preparadíssimo (sic) para verificar se o comprovante de endereço é válido, bem como se são "quentes" o RG e o CPF. Sabe-se que no Brasil é dificílimo fazer um documento falso.
Como dinheiro não nasce em árvore, as companhias telefônicas cobrarão pelo cadastro. O usuário pagará por algo que é inútil para ele e para o Estado. Em recompensa, todos dormiremos mais tranquilos porque os criminosos estarão impedidos (sic) de usar telefones celulares pré-pagos de forma clandestina.
Esse episódio ilustra à perfeição a obsessão atávica dos brasileiros pelo Estado interferindo na vida privada. "Saudades da senzala", desdenharia Paulo Francis. Pior. Ao sancionar a lei dos pré-pagos, o presidente Lula evidencia sua simpatia por essa mentalidade pré-histórica. O Brasil vai melhorar? Pode ser, mas é coisa para mais de um século.


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