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BORIS FAUSTO
O governo e a
sociedade
Como ninguém ignora, a lua-de-mel entre o governo e boa parte
da sociedade terminou. Nada de surpreendente nisso se levarmos em conta que os idílios, por sua natureza, são
de curta duração. Mas o problema é
que o país entrou em um terreno escorregadio de desencontro entre o núcleo governamental e os setores sociais organizados, com tal grau de intensidade que a lua-de-mel parece
projetar-se em um distante passado.
A insatisfação com o chamado "novo PT", as consequências da reforma
da Previdência e o quadro de aperto
econômico generalizado, que toca
fundo no bolso das pessoas e no caixa
das empresas, fundiram-se para provocar uma onda de críticas. É certo
que o projeto de reforma do sistema
previdenciário iria encontrar forte resistência por parte dos setores atingidos, como aliás vem ocorrendo não só
no Brasil. Mas a tática do governo e
dos partidos que o apóiam, satanizando os servidores públicos, acirrou os
desentendimentos, sem necessidade.
O momento é preocupante para
aqueles que defendem a ordem democrática e o bom funcionamento das
instituições e acreditam em reformas
sociais nos limites da legalidade. Infelizmente, há no ar um clima de "vale
tudo", que é necessário conter enquanto é tempo. Nesse sentido, é importante distinguir entre lideranças e
setores sociais inconformados, por esta ou aquela razão específica, e aqueles
que esfregam as mãos com o quadro
atual, tratando de forçar a ruptura da
"democracia burguesa". Enquadram-se na última hipótese as lideranças do
MST e de movimentos afins, sendo
exemplares as recentes declarações do
sr. João Pedro Stedile, incentivando
-e não em sentido metafórico-
uma verdadeira guerra agrária.
Por mais criticável que seja a ensaiada greve da magistratura (o que não
significa ignorar suas razões), por
mais que sejam preocupantes os confrontos entre servidores e forças policiais no âmbito do Congresso, é no
conflito chamado de agrário -chamado porque envolve também desempregados das cidades- que se localiza o ponto mais delicado da conjuntura. Aí se dá o encontro de uma liderança milenarista com massas extremamente carentes, as quais esperam obter o que essa liderança não pode nem lhes quer dar.
Não é o momento de cobrar do governo Lula a conduta destrutiva de seu
partido no passado, por maiores que
sejam as tentações nesse sentido. Vale
mais insistir na necessidade de que o
presidente e seu governo se coloquem
à altura das responsabilidades de
quem detém o poder, evitando as tentações populistas ao alcance da mão.
Será demais esperar do presidente
que encarne com seriedade as funções
não só de chefe de governo como de
chefe de Estado, como é da natureza
do regime presidencialista? Por trás da
pergunta reside uma esperança: a de
que o presidente cumpra seu papel vital na preservação da ordem democrática, mantendo o equilíbrio entre
forças da sociedade que exprimem
opiniões e interesses diversos, por vezes contraditórios. Já avançamos muito nesse caminho positivo para recuar
desastrosamente agora.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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