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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2003

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BORIS FAUSTO

O governo e a sociedade

Como ninguém ignora, a lua-de-mel entre o governo e boa parte da sociedade terminou. Nada de surpreendente nisso se levarmos em conta que os idílios, por sua natureza, são de curta duração. Mas o problema é que o país entrou em um terreno escorregadio de desencontro entre o núcleo governamental e os setores sociais organizados, com tal grau de intensidade que a lua-de-mel parece projetar-se em um distante passado.
A insatisfação com o chamado "novo PT", as consequências da reforma da Previdência e o quadro de aperto econômico generalizado, que toca fundo no bolso das pessoas e no caixa das empresas, fundiram-se para provocar uma onda de críticas. É certo que o projeto de reforma do sistema previdenciário iria encontrar forte resistência por parte dos setores atingidos, como aliás vem ocorrendo não só no Brasil. Mas a tática do governo e dos partidos que o apóiam, satanizando os servidores públicos, acirrou os desentendimentos, sem necessidade.
O momento é preocupante para aqueles que defendem a ordem democrática e o bom funcionamento das instituições e acreditam em reformas sociais nos limites da legalidade. Infelizmente, há no ar um clima de "vale tudo", que é necessário conter enquanto é tempo. Nesse sentido, é importante distinguir entre lideranças e setores sociais inconformados, por esta ou aquela razão específica, e aqueles que esfregam as mãos com o quadro atual, tratando de forçar a ruptura da "democracia burguesa". Enquadram-se na última hipótese as lideranças do MST e de movimentos afins, sendo exemplares as recentes declarações do sr. João Pedro Stedile, incentivando -e não em sentido metafórico- uma verdadeira guerra agrária.
Por mais criticável que seja a ensaiada greve da magistratura (o que não significa ignorar suas razões), por mais que sejam preocupantes os confrontos entre servidores e forças policiais no âmbito do Congresso, é no conflito chamado de agrário -chamado porque envolve também desempregados das cidades- que se localiza o ponto mais delicado da conjuntura. Aí se dá o encontro de uma liderança milenarista com massas extremamente carentes, as quais esperam obter o que essa liderança não pode nem lhes quer dar.
Não é o momento de cobrar do governo Lula a conduta destrutiva de seu partido no passado, por maiores que sejam as tentações nesse sentido. Vale mais insistir na necessidade de que o presidente e seu governo se coloquem à altura das responsabilidades de quem detém o poder, evitando as tentações populistas ao alcance da mão.
Será demais esperar do presidente que encarne com seriedade as funções não só de chefe de governo como de chefe de Estado, como é da natureza do regime presidencialista? Por trás da pergunta reside uma esperança: a de que o presidente cumpra seu papel vital na preservação da ordem democrática, mantendo o equilíbrio entre forças da sociedade que exprimem opiniões e interesses diversos, por vezes contraditórios. Já avançamos muito nesse caminho positivo para recuar desastrosamente agora.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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