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ANTONIO DELFIM NETTO
Exercício otimista
Em outubro do ano passado, a
Goldman Sachs publicou o interessantíssimo "Global Economics Paper" número 99 ("Dreaming with
BRICs -The Path to 2050"), no qual especula o destino de quatro nações
(Brasil, Rússia, Índia e China). Como é
evidente, projeções para períodos dessa dimensão são meros exercícios estatísticos. Concentram-se em métodos simplificados de construir "o produto potencial" de cada país fazendo
hipóteses sobre a "função de produção" (isto é, como os fatores são combinados para gerar o PIB), sobre a estrutura demográfica e sobre a formação do capital, que depende da taxa de
depreciação do capital instalado mais
o investimento líquido realizado. A isso tudo soma-se uma hipótese sobre a
incorporação do desenvolvimento
tecnológico.
Colocados todos os parâmetros
num computador, este os devolve como um "produto potencial", organizado ninguém sabe por que "espíritos" privados ou públicos. Os resultados são de um otimismo surpreendente. O exercício começa em 2000 e
termina em 2050, com os seguintes resultados: "Se as coisas andarem certas,
os BRICs serão uma importante componente do novo dispêndio global em
futuro não muito distante. A Índia,
por exemplo, será maior do que o Japão em torno de 2032, e a China ultrapassará os Estados Unidos perto de
2041". Para o Brasil, o estudo revela
também boas notícias: ultrapassaremos, sucessivamente, a Itália em 2025,
a França em 2030 e a Alemanha em
2035!
É preciso sempre lembrar aos entusiasmados que os "modelos só colocam para fora o que anteriormente
puseram-lhes dentro", de forma que
tais projeções estão condicionadas aos
acidentes históricos, isto é, ao acaso.
Lembrando George Bernanos, disse o
senador Marco Maciel em seu discurso de posse na Academia Brasileira de
Letras: "O que chamamos de acaso
talvez seja a lógica de Deus", o que nos
dá alguma esperança.
Um ponto absolutamente fundamental em tal projeção é saber em que
medida os atuais regimes políticos dos
BRICs são estáveis e se podemos apostar que vigorarão imperturbados ao
longo dos próximos 45 anos. As dúvidas são sérias, mas parece que só o
Brasil completou uma sucessão tranqüila de um regime autoritário para
um regime republicano democrático.
A Constituição garante o funcionamento relativamente eficiente da sociedade, e as demandas sociais vão
modificando as prioridades dos sucessivos governos, sendo desmontadas antes que atinjam limites incontroláveis. Não temos nenhuma diferença étnica que tenha de ser arbitrada
a força, falamos a mesma língua e temos um forte sentimento de nação. E
passamos o teste histórico que garante
sucessões civilizadas.
À medida que o nível de renda crescer, a demanda por um regime republicano democrático vai aumentar.
Torçamos para que a Rússia e a China
sejam capazes de fazer o que fizemos e
que o mosaico indiano se acomode
como o brasileiro.
Quanto ao futuro do Brasil, ele não
está no estudo da Goldman Sachs,
mas, sim, na nossa capacidade de
construí-lo.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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