São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Exercício otimista

Em outubro do ano passado, a Goldman Sachs publicou o interessantíssimo "Global Economics Paper" número 99 ("Dreaming with BRICs -The Path to 2050"), no qual especula o destino de quatro nações (Brasil, Rússia, Índia e China). Como é evidente, projeções para períodos dessa dimensão são meros exercícios estatísticos. Concentram-se em métodos simplificados de construir "o produto potencial" de cada país fazendo hipóteses sobre a "função de produção" (isto é, como os fatores são combinados para gerar o PIB), sobre a estrutura demográfica e sobre a formação do capital, que depende da taxa de depreciação do capital instalado mais o investimento líquido realizado. A isso tudo soma-se uma hipótese sobre a incorporação do desenvolvimento tecnológico.
Colocados todos os parâmetros num computador, este os devolve como um "produto potencial", organizado ninguém sabe por que "espíritos" privados ou públicos. Os resultados são de um otimismo surpreendente. O exercício começa em 2000 e termina em 2050, com os seguintes resultados: "Se as coisas andarem certas, os BRICs serão uma importante componente do novo dispêndio global em futuro não muito distante. A Índia, por exemplo, será maior do que o Japão em torno de 2032, e a China ultrapassará os Estados Unidos perto de 2041". Para o Brasil, o estudo revela também boas notícias: ultrapassaremos, sucessivamente, a Itália em 2025, a França em 2030 e a Alemanha em 2035!
É preciso sempre lembrar aos entusiasmados que os "modelos só colocam para fora o que anteriormente puseram-lhes dentro", de forma que tais projeções estão condicionadas aos acidentes históricos, isto é, ao acaso. Lembrando George Bernanos, disse o senador Marco Maciel em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras: "O que chamamos de acaso talvez seja a lógica de Deus", o que nos dá alguma esperança.
Um ponto absolutamente fundamental em tal projeção é saber em que medida os atuais regimes políticos dos BRICs são estáveis e se podemos apostar que vigorarão imperturbados ao longo dos próximos 45 anos. As dúvidas são sérias, mas parece que só o Brasil completou uma sucessão tranqüila de um regime autoritário para um regime republicano democrático. A Constituição garante o funcionamento relativamente eficiente da sociedade, e as demandas sociais vão modificando as prioridades dos sucessivos governos, sendo desmontadas antes que atinjam limites incontroláveis. Não temos nenhuma diferença étnica que tenha de ser arbitrada a força, falamos a mesma língua e temos um forte sentimento de nação. E passamos o teste histórico que garante sucessões civilizadas.
À medida que o nível de renda crescer, a demanda por um regime republicano democrático vai aumentar. Torçamos para que a Rússia e a China sejam capazes de fazer o que fizemos e que o mosaico indiano se acomode como o brasileiro.
Quanto ao futuro do Brasil, ele não está no estudo da Goldman Sachs, mas, sim, na nossa capacidade de construí-lo.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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