São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Licença-maternidade sem preconceito

DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR


A prorrogação da licença-maternidade é um enorme avanço porque estimula o cidadão a transformar a realidade

A PRORROGAÇÃO da licença-maternidade de quatro para seis meses está prestes a se converter em lei. É projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com a OAB e a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE). Como idéia inovadora, suscita resistências. A maioria desaparece quando a natureza da iniciativa se torna pública. Restam apenas alguns preconceitos de superação mais difícil.
O projeto não é ação isolada. Integra um conjunto de propostas que têm por objetivo promover avanços sociais relevantes. Articula direitos da criança, da mãe, da mulher, do pai e da família para resguardar valores éticos e diminuir desigualdades. Assim, dois outros projetos da mesma parceria tramitam no Congresso.
Um deles cria o Programa Nacional de Educação Infantil. Prevê fundo para financiar construção e funcionamento de creches e pré-escolas para famílias de baixa renda. O outro defende o ensino fundamental em tempo integral em todas as escolas públicas. São estratégias que garantem à mulher o direito de se dedicar ao trabalho em igualdade de condições com o homem, sem prejuízo dos cuidados a que a criança tem direito.
O objetivo da licença ampliada é proteger a maternidade, entendida como seqüência de momentos, estímulos, ambientes, cuidados e provimentos que permitem ao bebê a plenitude dos fenômenos biológicos e psicogênicos que o fazem evoluir de embrião a cidadão, preservados os direitos da mulher e as conquistas já alcançadas. Não é, portanto, tarefa exclusiva da mãe. É responsabilidade de todos, porque a criança é o capital humano prioritário para a sobrevivência da sociedade.
O Brasil é a pátria das desigualdades. Por isso, nenhuma lei pode ter a pretensão de resolver todos os desafios pendentes. O progresso social é lento, faz-se por avanços e recuos. Não basta ter sonhos. É preciso dizer como realizá-los numa sociedade afeita a privilégios de origem. Toda mudança supõe o exercício do diálogo e da tolerância, com os pés no chão do realismo político.
A história nos mostra que a imposição da igualdade não se sustenta. O único caminho é a redução progressiva e civilizada das desigualdades. Como disse André Sponville: "Quem não percebe que a busca paciente e organizada do interesse comum é melhor do que o confronto ou a desordem generalizados?".
A proposta que amplia a licença-maternidade leva em conta esses conceitos. Por isso avança rapidamente. Mais de 80% das mulheres e dos homens ouvidos pelo DataSenado nas capitais do país apóiam a medida e entendem que ela beneficiará todos, especialmente a criança, uma prova de mudança da mentalidade.
Quem pensa que o único alvo da iniciativa é o aleitamento materno está desinformado. O projeto vai muito além. Busca fazer o que o psicanalista Donald Winnicot define como educação plena, isto é, a criação de ambientes de estimulação favorável à expressão das originalidades potenciais do novo ser.
Quem alega que a proposta nada mais é que um incentivo fiscal dado às empresas peca pelo preconceito. Várias empresas já estenderam a licença-maternidade por conta própria, sem qualquer isenção fiscal. Exemplos: Nestlé, Fersol, Cosipa, Garoto, Eurofarma e Wal Mart, entre outras. A medida é inovadora porque não impositiva. Respeita a decisão da mulher. Nenhuma mãe será obrigada a requerer os dois meses previstos. Só o fará quando julgar conveniente. Se não, poderá voltar ao trabalho ao final dos quatro meses da licença em vigor.
Se a lei fosse impositiva, algumas mulheres se sentiriam forçadas a cumprir a prorrogação definida. Não é o caso. Tampouco a empresa ficará obrigada a conceder o benefício. O empresário será estimulado a reconhecer os direitos e a fazer a sua parte. Se o fizer, terá, como contrapartida do Estado, a isenção de encargos tributários equivalentes ao custo dos dois meses suplementares de licença.
A mobilização em torno do projeto trouxe à tona a questão da paternidade responsável. Em muitos dos 93 municípios e dos dez Estados que já prorrogaram a licença, a modificação da lei orgânica também ampliou a licença-paternidade para 15 dias. É pouco, mas é um bom começo rumo à conquista das igualdades defendidas.
A Justiça acaba de conceder licença de três meses a um homem de 40 anos que adotou um bebê.
A prorrogação da licença-maternidade contribui para a derrubada de preconceitos. É um enorme avanço porque estimula o cidadão a transformar a realidade.


DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR , 65, professor titular da UnB (Universidade de Brasília), é presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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