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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correto o projeto de lei que altera o método
de reajuste dos salários de ministros do STF?
NÃO
Medida é precedente perigoso
OPHIR CAVALCANTE
As recorrentes discussões que se
travam em torno dos salários nas
três esferas do Poder Público, e em
especial do Judiciário, nos levam a
concluir que a reforma promovida
pela emenda constitucional nº 45
ainda é uma obra inacabada, de
que resultam, não raro, iniciativas
com vistas a estabelecer supostas
equivalências com outros setores
da administração pública sem o devido zelo que o assunto exige.
É o caso da recente decisão do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
de estender aos juízes benefícios
garantidos aos integrantes do Ministério Público Federal, como licença-prêmio, auxílio alimentação, dentre outros.
Não está em discussão se os nobres juízes são merecedores de tais
vantagens, mas, sim, o modo de como fazer para obtê-las.
Em tempo, um: já é assente no
próprio Supremo Tribunal Federal
a jurisprudência de que benefícios
dessa ordem não podem ser objeto
de decisões administrativas, requerendo uma lei própria aprovada no
âmbito do Poder Legislativo e sancionada pelo chefe do Executivo.
"Ipso facto", como, aliás, dessa
forma procedeu diligentemente o
Ministério Público, sem o que pareceria mero capricho ou, se preferirmos, "arranjo" interno, aparentemente legítimo mas ilegal, com
ares de um jeitinho à moda daquilo
que nos esforçamos tanto a extirpar
da administração pública.
Em tempo, dois: ao enviar projeto de lei à Câmara estabelecendo
novos parâmetros para os salários
da magistratura, o Supremo arguiu
o artigo 37, inciso X da Constituição
Federal, segundo o qual as remunerações e subsídios dos agentes públicos devem ser estabelecidos por
lei específica.
Isto é matéria fresca, do último
dia 12, e ensejou do presidente da
corte, Cezar Peluso, nota oficial justificando o gesto, exatamente em
razão da curiosidade pública sobre
o assunto.
Em tempo, três: não foi outro, se
não o próprio plenário do Conselho
Nacional do Ministério Público
(CNMP), que, em decisão recente,
obrigou promotores do Piauí a devolver gratificações de desempenho que vinham recebendo ao longo de 11 anos, por obra e graça de
"resolução interna" do colégio de
procuradores daquele Estado.
Na prática, as gratificações configuravam um reajuste salarial camuflado, sendo digna de nota a
conclusão do órgão de controle, segundo a qual justificar tal postura
"é o mesmo que admitir que os
membros do colégio de procuradores desconhecem a Constituição".
Ora, pois. A se aplicar esse raciocínio, estaria também o Conselho
Nacional de Justiça avalizando decisões administrativas que transformariam os tribunais do Brasil
afora em ilhas de autonomia, emprestando um péssimo exemplo a
quem foi delegado o papel de guardiões das leis. Causa e efeito.
Um precedente sem dúvida perigoso para um órgão que nasceu
com o firme propósito de planejar o
Judiciário de acordo com o que a sociedade brasileira espera e, fundamentalmente, promover sua necessária transparência administrativa.
Em um país que registrava, até o
ano passado, 40 milhões de processos em fase de execução, está evidente que o Judiciário, em muitos
aspectos, ainda apresenta características de Terceiro Mundo, em
completo descompasso com sua
poção desenvolvimentista.
Daí, porém, inferir que disso pode tomar decisões em causa própria
vai uma distância.
OPHIR CAVALCANTE, 49, é presidente nacional da
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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