São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É correto o projeto de lei que altera o método de reajuste dos salários de ministros do STF?

NÃO

Medida é precedente perigoso

OPHIR CAVALCANTE

As recorrentes discussões que se travam em torno dos salários nas três esferas do Poder Público, e em especial do Judiciário, nos levam a concluir que a reforma promovida pela emenda constitucional nº 45 ainda é uma obra inacabada, de que resultam, não raro, iniciativas com vistas a estabelecer supostas equivalências com outros setores da administração pública sem o devido zelo que o assunto exige.
É o caso da recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de estender aos juízes benefícios garantidos aos integrantes do Ministério Público Federal, como licença-prêmio, auxílio alimentação, dentre outros.
Não está em discussão se os nobres juízes são merecedores de tais vantagens, mas, sim, o modo de como fazer para obtê-las.
Em tempo, um: já é assente no próprio Supremo Tribunal Federal a jurisprudência de que benefícios dessa ordem não podem ser objeto de decisões administrativas, requerendo uma lei própria aprovada no âmbito do Poder Legislativo e sancionada pelo chefe do Executivo.
"Ipso facto", como, aliás, dessa forma procedeu diligentemente o Ministério Público, sem o que pareceria mero capricho ou, se preferirmos, "arranjo" interno, aparentemente legítimo mas ilegal, com ares de um jeitinho à moda daquilo que nos esforçamos tanto a extirpar da administração pública.
Em tempo, dois: ao enviar projeto de lei à Câmara estabelecendo novos parâmetros para os salários da magistratura, o Supremo arguiu o artigo 37, inciso X da Constituição Federal, segundo o qual as remunerações e subsídios dos agentes públicos devem ser estabelecidos por lei específica.
Isto é matéria fresca, do último dia 12, e ensejou do presidente da corte, Cezar Peluso, nota oficial justificando o gesto, exatamente em razão da curiosidade pública sobre o assunto.
Em tempo, três: não foi outro, se não o próprio plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, em decisão recente, obrigou promotores do Piauí a devolver gratificações de desempenho que vinham recebendo ao longo de 11 anos, por obra e graça de "resolução interna" do colégio de procuradores daquele Estado.
Na prática, as gratificações configuravam um reajuste salarial camuflado, sendo digna de nota a conclusão do órgão de controle, segundo a qual justificar tal postura "é o mesmo que admitir que os membros do colégio de procuradores desconhecem a Constituição".
Ora, pois. A se aplicar esse raciocínio, estaria também o Conselho Nacional de Justiça avalizando decisões administrativas que transformariam os tribunais do Brasil afora em ilhas de autonomia, emprestando um péssimo exemplo a quem foi delegado o papel de guardiões das leis. Causa e efeito.
Um precedente sem dúvida perigoso para um órgão que nasceu com o firme propósito de planejar o Judiciário de acordo com o que a sociedade brasileira espera e, fundamentalmente, promover sua necessária transparência administrativa.
Em um país que registrava, até o ano passado, 40 milhões de processos em fase de execução, está evidente que o Judiciário, em muitos aspectos, ainda apresenta características de Terceiro Mundo, em completo descompasso com sua poção desenvolvimentista.
Daí, porém, inferir que disso pode tomar decisões em causa própria vai uma distância.


OPHIR CAVALCANTE, 49, é presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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