São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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Plano Marshall, econologia e "risco Brasil"


O Brasil, por suas características naturais, tem uma posição singular na nova ordem. É uma cultura de paz


EDUARDO ATHAYDE

O que têm em comum o Plano Marshall, a econologia e o "risco Brasil"? Como a visão econológica (visões social, econômica e ecológica integradas) ajudaria a diminuir as desigualdades sociais, numa nova equação para produzir riquezas e preservar o ambiente? Como o Brasil, uma cultura de paz e a maior potência ambiental do planeta, se insere no novo cenário mundial?
"É de suma importância que nosso povo tenha plena consciência das complicações reais e não reaja por paixão, preconceito ou emoção momentânea, direcionando sua política não contra países ou doutrinas, e sim contra a fome, a pobreza, o desespero e o caos." Assim o general George Marshall delineou seu plano pela primeira vez, em Harvard, dia 5 de junho de 1947.
Os EUA gastarão US$ 100 bilhões na guerra, durante os próximos 12 meses. O que poderíamos comprar com esses US$ 100 bilhões, dólar por dólar, para aliviar o sofrimento humano? Essa pergunta foi feita por Dick Bell, vice-presidente do Worldwatch Institute (WWI), instituição de pesquisa baseada em Washington, num artigo publicado nos jornais de todo o mundo.
Ora, a ONU divulgou os custos anuais de uma série de serviços sociais básicos para os países pobres e em desenvolvimento: US$ 9 bilhões disponibilizariam água e saneamento; US$ 13 bilhões proporcionariam saúde e nutrição básicas; e US$ 6 bilhões dariam educação básica.
O PIB mundial cresceu de US$ 31 trilhões, em 1990, para US$ 43 trilhões, em 2000, deixando 45% desse montante para cerca de 12% da população mundial. Hoje, a soma da riqueza das 250 pessoas mais ricas do mundo é de US$ 1 trilhão; a soma das rendas anuais dos 2,5 bilhões de pessoas mais pobres do mundo, incluídos os afegãos, é de US$ 1 trilhão. Pela primeira vez na história, os números de obesos e famintos equipararam-se: temos 1,2 bilhão de obesos e 1,2 bilhão de famintos.
Da população mundial, 22% vivem em países desenvolvidos; 90% dos resíduos perigosos emitidos contra o planeta vêm dos países desenvolvidos; 75% da energia gerada e 60% dos combustíveis fósseis são consumidos por eles; e 80% dos metais brutos e 75% do papel do mundo também são consumidos pelo Primeiro Mundo. Segundo a ONU, hoje são gastos anualmente, na Europa e nos EUA, US$ 12 bilhões em perfumes, US$ 8 bilhões em cosméticos e US$ 17 bilhões em comida para animais domésticos. O mundo gasta, por ano, US$ 780 bilhões nas forças militares.
Os medicamentos de maior venda mundial destinam-se ao tratamento de doenças do Primeiro Mundo. Saúde a serviço dos que podem pagar. Um levantamento de 1.233 medicamentos que chegaram ao mercado de 1975 a 1997 constatou que apenas 13 eram especificamente para doenças tropicais.
Abastecendo os que têm acesso à comida, o gado na Terra aumentou 60%, desde 1961; a quantidade de frangos, patos e outras aves foi de 4,2 bilhões para 15,7 bilhões. A pecuária de confinamento produz, nos EUA, 130 vezes mais esterco do que os seres humanos.
O "Estado do Mundo 2001", relatório anual do WWI, traduzido para 38 idiomas, inclusive o português, indica um grupo seleto de grandes países industrializados e em desenvolvimento considerados como atores-chave tanto ambientais quanto econômicos: EUA, Brasil, Japão, China, União Européia -incluída como uma unidade-, África do Sul, Índia, Rússia e Indonésia.
Esse grupo representa 57% da população mundial e 80% da produção econômica total. Ele poderá desempenhar um papel central para eliminar o distanciamento entre os planetas rico e pobre.
A respeitada empresa de pesquisa AT Kearney, responsável pelo mais importante relatório sobre investimentos internacionais, divulgou informações no início do ano mostrando o Brasil em terceiro lugar no ranking dos países mais procurados pelos investidores, atrás apenas dos EUA e da China. Em 2000, US$ 33 bilhões ingressaram no Brasil em investimentos de longo prazo.
O conceito de "clusters" (concentração de investimentos numa determinada região, segundo a sua vocação) poderá ajudar na distribuição da renda. Os "clusters" são sinérgicos, diluem custos, somam esforços, otimizam investimentos e ajudam a montar a nova equação do desenvolvimento sustentável.
O Brasil, por suas características naturais, tem uma posição singular nessa nova ordem. É uma cultura de paz, "cluster" de música, de culinária e de ecoturismo. A Conservation International, renomada instituição de pesquisa, indica que o Brasil está em primeiro lugar disparado entre os 17 países mais ricos em biodiversidade: detém 23% do total de espécies do planeta. A Suíça tem só uma planta "endêmica" (que só existe lá); a Alemanha, 19; e o México, 3.000. Só na Amazônia, temos 20 mil.
Globalmente, o setor da biotecnologia movimenta de US$ 470 bilhões a US$ 780 bilhões por ano (o farmacêutico US$ 337 bilhões/ano). O Brasil movimenta pífios US$ 500 milhões/ano. O Ibama e o Ipea estimam o valor patrimonial da biodiversidade brasileira em cerca de US$ 2 trilhões. O sequestro de carbono pelo "crescimento" das árvores na floresta plantada está previsto nos mecanismos do Protocolo de Kyoto. Por outro lado, a Ewea (Associação de Energia Eólica da Europa) projeta a criação de 190 mil a 320 mil postos de trabalho até 2010.
"Clusters" dos segmentos renováveis -eólico e solar- e o reflorestamento no Brasil podem ser alavancados por consórcios de micro e pequenas empresas, montados pelo Sebrae com recursos externos, gerando emprego e renda.
Pesquisa de opinião pública internacional realizada pela Espanha buscou identificar o perfil do novo turista. O resultado surpreendeu os espanhóis: o novo turista quer paz, ócio, ir para algum lugar tropical para fazer nada. Fogem de hora marcada e querem ar livre no paraíso dos hotéis de mil estrelas.
A ONU declarou 2002 como Ano Internacional do Ecoturismo. O inconsciente coletivo do turista internacional criou um sonho idílico e está à procura dessa terra da felicidade. Vamos nos preparar com inteligência para esse encontro. A cultura de paz, a biodiversidade, o clima e a hospitalidade -acentuados pelo mosaico cultural e a convivência pacífica das etnias- são bens preciosos computados pelos investidores.
O "risco Brasil", indicador costumeiramente refratário na análise de investimentos, passa a ter uma outra conotação: o fator "cultura de paz" terá relevância e peso especial na nova ordem. Um volume crescente de pessoas e instituições está aplicando critérios socialmente responsáveis para orientar seus investimentos. Só nos EUA, os investimentos socialmente responsáveis aumentaram de US$ 59 bilhões, em 1984, para US$ 2,16 trilhões, em 1999.
Observando e comparando dados numa escala global, somos impactados por distorções que revelam a importância da visão integrada dos grandes problemas da humanidade. A visão holística que inspirou o Plano Marshall, há 50 anos, clareia a mente, reordena os sentimentos, induz à inclusão de valores essenciais nos conceitos das políticas, destaca a importância do respeito às leis da natureza, redireciona prioridades e investimentos e reorienta a economia, colocando-a a serviço do homem, da natureza e da paz.


Eduardo Athayde é administrador, pesquisador, diretor da UMA (Universidade Livre da Mata Atlântica) e editor do Worldwatch Institute no Brasil. www.wwiuma.org.br



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