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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Bolsa Família é um programa assistencialista?
SIM
É preciso superar os limites
FLORIANO PESARO
O BRASIL completa 11 anos de
programas de transferência
condicionada de renda (os
PTCs). O momento é mais que oportuno para revermos a história, tirarmos lições das conquistas municipais
e aceitarmos os limites dos programas amparados só na distribuição de
dinheiro e na cobrança de contrapartidas, que têm hoje no Bolsa Família,
carro-chefe da política social do governo Lula, sua maior representação.
Antes de mais nada, vale refletirmos sobre questões simples: se o benefício financeiro for retirado das famílias, o que resta? Voltariam elas à
condição original de pobreza? O que é
preciso oferecer a mais para tornar o
benefício, no futuro, dispensável?
Ao examinar o Bolsa Família, a resposta é clara. Ele não opera melhorias
efetivas na qualidade de vida das famílias beneficiárias, é incapaz de controlar efetivamente o cumprimento
das condicionalidades e não apresenta metas nem incentivos à melhoria
da qualidade da oferta de serviços públicos, sobretudo educação e saúde.
Vale lembrar que, com a democratização e a nova Constituição, começa
um ciclo virtuoso de reformas na estrutura do sistema de proteção social
brasileiro, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social e a universalização da educação e da saúde
(SUS), desaguando, em meados dos
anos 90, nos primeiros PTCs.
Eles inovaram ao atrelar a distribuição de dinheiro às famílias mais
pobres ao incentivo para que seus
membros elevassem sua capacidade
de acumular capital humano, por
meio da cobrança de condicionalidades -freqüência escolar, acompanhamento da saúde e participação em
ações de educação alimentar.
Entre os primeiros programas, vale
destacar o programa de Renda Mínima (Prefeitura de Campinas, 1995) e
o Bolsa Familiar para a Educação
(Distrito Federal, 1995), que levaram
à criação de programas nacionais, como o Renda Mínima (1998) e o Bolsa-Escola (2001). Em 2003, surge o Bolsa Família, com o objetivo de unificar
quatro programas já existentes -Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás (iniciados no governo FHC) e
Cartão-Alimentação (iniciado no governo Lula)- sob o famigerado Fome
Zero. Ele não difere absolutamente
em nada dos programas anteriores.
Para avançarmos na direção correta do combate à pobreza, urge melhorarmos o Bolsa Família, alterando
seus elementos estruturais de acordo
com alguns novos princípios.
A pobreza passa a ser vista não só
como um hiato de renda mas também
como resultado de uma multiplicidade de fatores, incluindo aspectos econômicos, sociais, humanos e ambientais, sendo substituída pelo conceito
de vulnerabilidade social. Na seleção
das famílias atendidas, soma-se à baixa renda outros critérios, como famílias com muitos filhos e chefiadas por
mulheres sozinhas e com baixo nível
escolar, sem acesso a programas sociais e que moram em locais com difícil acesso a serviços públicos governamentais e não governamentais.
Qualquer programa que se preze
precisa promover o desenvolvimento
humano sustentável, com expansão
da renda e do emprego. Para ser possível, as ações devem se dar no local
em que as famílias vivem e ter a participação de toda a comunidade. Não é
mais possível pensar o desenvolvimento se ele não for comunitário.
Sendo assim, além de atuar no núcleo familiar, articulando o benefício
financeiro ao atendimento socioeducativo, garantindo às famílias prioridade em uma série de serviços e benefícios, os programas devem estimular
o convívio social no bairro e fortalecer laços comunitários. E é importante considerar que, muitas vezes, famílias e comunidades não carecem de
serviços, mas, acima de tudo, de articulação em rede e incentivo para que
desenvolvam suas potencialidades.
Por fim, é vital construir parcerias
entre indivíduos, governo e sociedade
civil. Todos devem assumir responsabilidades. Os gestores têm o desafio
de promover uma ágil articulação intra e entre níveis governamentais, para eliminar superposição de tarefas,
otimizar recursos e gerar resultados
de cooperação. Só com uma rede integrada e transversal que, além de
transferir renda, garanta acesso ao
microcrédito, qualificação profissional e diversos programas e benefícios
governamentais e não-governamentais, é possível garantir uma real política de direitos e construir a porta de
saída para a exclusão social.
FLORIANO PESARO, 38, sociólogo, é secretário Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Foi secretário nacional do Bolsa-Escola.
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