São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Bolsa Família é um programa assistencialista?

SIM

É preciso superar os limites

FLORIANO PESARO

O BRASIL completa 11 anos de programas de transferência condicionada de renda (os PTCs). O momento é mais que oportuno para revermos a história, tirarmos lições das conquistas municipais e aceitarmos os limites dos programas amparados só na distribuição de dinheiro e na cobrança de contrapartidas, que têm hoje no Bolsa Família, carro-chefe da política social do governo Lula, sua maior representação.
Antes de mais nada, vale refletirmos sobre questões simples: se o benefício financeiro for retirado das famílias, o que resta? Voltariam elas à condição original de pobreza? O que é preciso oferecer a mais para tornar o benefício, no futuro, dispensável?
Ao examinar o Bolsa Família, a resposta é clara. Ele não opera melhorias efetivas na qualidade de vida das famílias beneficiárias, é incapaz de controlar efetivamente o cumprimento das condicionalidades e não apresenta metas nem incentivos à melhoria da qualidade da oferta de serviços públicos, sobretudo educação e saúde.
Vale lembrar que, com a democratização e a nova Constituição, começa um ciclo virtuoso de reformas na estrutura do sistema de proteção social brasileiro, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social e a universalização da educação e da saúde (SUS), desaguando, em meados dos anos 90, nos primeiros PTCs.
Eles inovaram ao atrelar a distribuição de dinheiro às famílias mais pobres ao incentivo para que seus membros elevassem sua capacidade de acumular capital humano, por meio da cobrança de condicionalidades -freqüência escolar, acompanhamento da saúde e participação em ações de educação alimentar.
Entre os primeiros programas, vale destacar o programa de Renda Mínima (Prefeitura de Campinas, 1995) e o Bolsa Familiar para a Educação (Distrito Federal, 1995), que levaram à criação de programas nacionais, como o Renda Mínima (1998) e o Bolsa-Escola (2001). Em 2003, surge o Bolsa Família, com o objetivo de unificar quatro programas já existentes -Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás (iniciados no governo FHC) e Cartão-Alimentação (iniciado no governo Lula)- sob o famigerado Fome Zero. Ele não difere absolutamente em nada dos programas anteriores.
Para avançarmos na direção correta do combate à pobreza, urge melhorarmos o Bolsa Família, alterando seus elementos estruturais de acordo com alguns novos princípios.
A pobreza passa a ser vista não só como um hiato de renda mas também como resultado de uma multiplicidade de fatores, incluindo aspectos econômicos, sociais, humanos e ambientais, sendo substituída pelo conceito de vulnerabilidade social. Na seleção das famílias atendidas, soma-se à baixa renda outros critérios, como famílias com muitos filhos e chefiadas por mulheres sozinhas e com baixo nível escolar, sem acesso a programas sociais e que moram em locais com difícil acesso a serviços públicos governamentais e não governamentais.
Qualquer programa que se preze precisa promover o desenvolvimento humano sustentável, com expansão da renda e do emprego. Para ser possível, as ações devem se dar no local em que as famílias vivem e ter a participação de toda a comunidade. Não é mais possível pensar o desenvolvimento se ele não for comunitário.
Sendo assim, além de atuar no núcleo familiar, articulando o benefício financeiro ao atendimento socioeducativo, garantindo às famílias prioridade em uma série de serviços e benefícios, os programas devem estimular o convívio social no bairro e fortalecer laços comunitários. E é importante considerar que, muitas vezes, famílias e comunidades não carecem de serviços, mas, acima de tudo, de articulação em rede e incentivo para que desenvolvam suas potencialidades.
Por fim, é vital construir parcerias entre indivíduos, governo e sociedade civil. Todos devem assumir responsabilidades. Os gestores têm o desafio de promover uma ágil articulação intra e entre níveis governamentais, para eliminar superposição de tarefas, otimizar recursos e gerar resultados de cooperação. Só com uma rede integrada e transversal que, além de transferir renda, garanta acesso ao microcrédito, qualificação profissional e diversos programas e benefícios governamentais e não-governamentais, é possível garantir uma real política de direitos e construir a porta de saída para a exclusão social.


FLORIANO PESARO, 38, sociólogo, é secretário Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Foi secretário nacional do Bolsa-Escola.

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