São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A festa dos especuladores

HÁ COISAS que sabemos, mas que só nos abalam quando chega a frieza dos números.
Reportagem publicada na Folha dá conta de que os estrangeiros que compraram papéis do governo em fevereiro de 2006 tiveram um ganho de 90%. Quase dobraram o seu patrimônio ("Título público rende o dobro a estrangeiro", Dinheiro, pág. B1, 22/10/07).
Nesse período, (1) os juros pagos aos aplicadores ficaram nas nuvens; (2) o governo os isentou do Imposto de Renda; (3) o real se valorizou de forma expressiva. Não conheço negócio legal que consiga gerar 90% de lucro em pouco mais de um ano.
Logo que foi aprovada a isenção do Imposto de Renda, comentei nesta coluna que o expediente iria provocar uma enxurrada de dólares -ávidos por ganharem juros altíssimos, sem despesas.
Quem ficou na especulação teve todas essas benesses. Os impostos arrasadores ficaram para os brasileiros que produzem e para os trabalhadores que suam suas camisas diariamente. Os juros mais altos do mundo foram pagos pelas empresas e consumidores do Brasil. A precariedade da infra-estrutura, da educação, da saúde, da segurança e da previdência teve de ser amargada por quem dá duro na economia real.
O aplicador brasileiro que mandou seu dinheiro para fora e voltou para dar uma "bicicletada" no Brasil, também ganhou os 90%, porque re-entrou como capital estrangeiro. Foi a festa dos especuladores. Com inflação ou sem inflação, eles sempre fazem rodar a seu favor a nefasta ciranda financeira.
Não tenho nada contra o capital estrangeiro. Ao contrário, precisamos dele. Mas o que nos interessa é o capital que se disponha a correr os riscos da produção, construindo fábricas, montando fazendas, expandindo serviços, fazendo escolas e, com isso, contribuindo para a geração de empregos e arrecadação de impostos.
Ora, esse pessoal começa com a isenção de impostos, investe em títulos que têm o aval do governo, que podem ser negociados a qualquer momento, o que lhes permite sair do Brasil no primeiro soluço da nossa economia. É muita miopia governamental.
Por mais sofisticadas que sejam as explicações, é inaceitável a ausência de políticas que estimulem o investimento estrangeiro na produção nacional. Até quando vai continuar o favoritismo para quem mais especula do que produz?
Os brasileiros precisam de empregos, atenção às crianças, saúde bem cuidada e segurança individual. De que forma os especuladores colaboram para esses objetivos? Está na hora de virar esse jogo.
antonio.ermirio@antonioermirio.com.br


ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES escreve aos domingos nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Uma sugestão cívica
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.