São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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PROCURAM-SE LIDERANÇAS

Nenhum país transformou suas estruturas de poder sem o concurso de fortes lideranças e de uma ampla mobilização social. Projetos de longo prazo para o país demandam um impulso menos formidável. Empenho para reformar apenas um setor caótico da vida do país seria, então, o mínimo requerido de um governo, qualquer governo. O que dizer, pois, do episódio em que culminaram os trabalhos da comissão especial do Congresso que tratava de encaminhar uma reforma tributária?
O governo FHC há muito vinha deixando claro, para quem quisesse ver, seu desinteresse pela reforma. Os parlamentares que se lançaram ao desafio da reforma, independentemente dos méritos do projeto, sabiam também que a mudança não depende apenas do Congresso, mas envolve a repactuação da República em sentido amplo. É preciso buscar o consenso de governos estaduais e municipais, empolgar trabalhadores e empresários, fazer convergir interesses do Executivo e do Legislativo.
Esse tipo de mudança exige a mobilização de um amplo arco de alianças. Mas essa articulação, dada a sua complexidade e amplitude, é necessariamente demorada. E não há, no país, maturidade capaz de organizar os interesses econômicos, regionais e sociais em torno de projetos voltados para o longo prazo.
Não é por acaso que as reformas de sistemas tributários, em todo o mundo, geralmente ocorrem em países mais maduros, depois de muitos anos de debates e negociações ou, na pior das hipóteses, ocorrem sob o tacão de regimes ditatoriais (como aconteceu também no Brasil, nas reformas econômicas que se seguiram ao golpe militar de 1964).
Supondo, com otimismo, que seja sustada a sequência de impropérios trocados por Executivo e Legislativo, em clima de "Fla-Flu", como reconheceu o próprio FHC, há dois caminhos a seguir, não necessariamente excludentes entre si.
O primeiro é reiniciar, buscando novas lideranças e interlocutores, o processo de negociação e mobilização em favor da reforma. Isso apenas será possível se o presidente emprestar todo o seu empenho pessoal, se concentrar toda a sua capacidade de articulação em favor da reforma tributária -mesmo que a sua implementação não venha a ocorrer ao longo de seu mandato.
O segundo caminho, necessário e compatível com o primeiro, é o da negociação mais rápida de pelo menos duas mudanças tributárias cruciais: o fim da guerra fiscal e a redução da cunha tributária sobre as exportações. Mesmo se não houver disposição do governo, como tem sido o caso até agora, para liderar um esforço autêntico em favor da reforma, enfrentar essas duas questões já seria uma contribuição para a estabilização econômica e para a retomada do desenvolvimento.
Há, no entanto, uma inércia que se perpetua, sobretudo no Ministério da Fazenda e na Receita Federal, seja porque a atual colcha de retalhos tributária garante arbitrariedade e receitas crescentes, seja porque a tecnocracia parece imobilizada pela gestão cotidiana de políticas de curto prazo.
Numa democracia, somente o desejo de organizar a nação em torno de projetos de longo prazo seria capaz de romper tal triste inércia. Procuram-se lideranças, antes que a República se esfarele numa guerra de todos contra todos.


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