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PROCURAM-SE LIDERANÇAS
Nenhum país transformou suas estruturas de poder sem o concurso de
fortes lideranças e de uma ampla mobilização social. Projetos de longo
prazo para o país demandam um impulso menos formidável. Empenho
para reformar apenas um setor caótico da vida do país seria, então, o mínimo requerido de um governo,
qualquer governo. O que dizer, pois,
do episódio em que culminaram os
trabalhos da comissão especial do
Congresso que tratava de encaminhar uma reforma tributária?
O governo FHC há muito vinha deixando claro, para quem quisesse ver,
seu desinteresse pela reforma. Os
parlamentares que se lançaram ao
desafio da reforma, independentemente dos méritos do projeto, sabiam também que a mudança não
depende apenas do Congresso, mas
envolve a repactuação da República
em sentido amplo. É preciso buscar o
consenso de governos estaduais e
municipais, empolgar trabalhadores
e empresários, fazer convergir interesses do Executivo e do Legislativo.
Esse tipo de mudança exige a mobilização de um amplo arco de alianças. Mas essa articulação, dada a sua
complexidade e amplitude, é necessariamente demorada. E não há, no
país, maturidade capaz de organizar
os interesses econômicos, regionais
e sociais em torno de projetos voltados para o longo prazo.
Não é por acaso que as reformas de
sistemas tributários, em todo o mundo, geralmente ocorrem em países
mais maduros, depois de muitos
anos de debates e negociações ou, na
pior das hipóteses, ocorrem sob o tacão de regimes ditatoriais (como
aconteceu também no Brasil, nas reformas econômicas que se seguiram
ao golpe militar de 1964).
Supondo, com otimismo, que seja
sustada a sequência de impropérios
trocados por Executivo e Legislativo,
em clima de "Fla-Flu", como reconheceu o próprio FHC, há dois caminhos a seguir, não necessariamente
excludentes entre si.
O primeiro é reiniciar, buscando
novas lideranças e interlocutores, o
processo de negociação e mobilização em favor da reforma. Isso apenas
será possível se o presidente emprestar todo o seu empenho pessoal, se
concentrar toda a sua capacidade de
articulação em favor da reforma tributária -mesmo que a sua implementação não venha a ocorrer ao longo de seu mandato.
O segundo caminho, necessário e
compatível com o primeiro, é o da
negociação mais rápida de pelo menos duas mudanças tributárias cruciais: o fim da guerra fiscal e a redução da cunha tributária sobre as exportações. Mesmo se não houver disposição do governo, como tem sido o
caso até agora, para liderar um esforço autêntico em favor da reforma, enfrentar essas duas questões já seria
uma contribuição para a estabilização econômica e para a retomada do
desenvolvimento.
Há, no entanto, uma inércia que se
perpetua, sobretudo no Ministério da
Fazenda e na Receita Federal, seja
porque a atual colcha de retalhos tributária garante arbitrariedade e receitas crescentes, seja porque a tecnocracia parece imobilizada pela gestão
cotidiana de políticas de curto prazo.
Numa democracia, somente o desejo de organizar a nação em torno
de projetos de longo prazo seria capaz de romper tal triste inércia. Procuram-se lideranças, antes que a República se esfarele numa guerra de
todos contra todos.
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