São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

As autonomias

OS AGRUPAMENTOS humanos politicamente organizados que ocupam território significativo e têm uma dimensão demográfica importante procuram o estabelecimento de pelo menos três condições: 1) autonomia energética; 2) autonomia alimentar e 3) autonomia militar. Nenhuma delas é deixada para o "mercado" resolver. Isso é visível na organização dos grandes blocos cuja estratégia é a construção daquelas condições pela associação de nações menores. É o caso da Comunidade Econômica Européia, uma vez que a evolução histórica tornou impossíveis os sonhos napoleônico, nazista e comunista. A estratégia das grandes nações, que têm aquelas autonomias, é tentar obstruir a construção de outras. No fim da Segunda Guerra mundial, os EUA estimularam a rápida recuperação da Europa com o Plano Marshall (particularmente a da Alemanha e da Itália) como forma de fazer frente ao avanço stalinista-soviético. E, na Ásia, o crescimento do Japão (com grande sucesso) e da Índia (com menor) para fazer frente à China de Mao.
A despeito da afirmação de sofisticados "cientistas" que garantem que a "globalização" tornou o "Estado" instrumento dos "mercados", é claro que estes só funcionam quando aquele constrói as condições para seu funcionamento. Temos as mais variadas experiências em andamento: a União Soviética, que certamente tinha as três autonomias, perdeu-as com o desmembramento em 15 países que constituem a Comunidade de Estados Independentes (CEI).
Tenta recuperá-las com a imensa influência política que continua a exercer sobre eles. À China faltam a autonomia energética e alimentar, que ela está construindo (e vai continuar a construir) a qualquer custo (ecológico ou econômico): voltar ao carvão, ampliar o suprimento de energia atômica, ampliar a busca de petróleo no "offshore" e... ocupando a África! A Europa não tem hoje nenhuma das três autonomias: vai remediando-as com a proteção à sua agricultura e com a produção de biodiesel de colza (particularmente a Alemanha).
Os Estados Unidos buscam hoje desesperadamente a autonomia que lhe falta: a energética. O fantástico programa de etanol de milho e o volume de investimento em ciência e tecnologia nos métodos químicos e biológicos para obtê-la dão conta disso: o seu custo no curto prazo é irrelevante, o que interessa é a autonomia energética no longo prazo.
Os países que vivem da doce ilusão de que Doha e a Organização Mundial do Comércio vão levar os grandes blocos a esquecerem as autonomias energéticas e alimentar deveriam colocar as barbas de molho...


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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