São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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RICARDO MELO

Prato vazio

Abafados pelo ruído dos tiroteios no Rio, números impressionantes divulgados pelo IBGE correm o sério risco de cair no esquecimento. Na sexta-feira, 27, informou-se que nada mais, nada menos que 11 milhões de pessoas no país passaram fome em 2009.
Como no Brasil nunca fica bem chamar as coisas pelo nome, principalmente quando se trata de assuntos de governo, esse contingente foi classificado como portador de "insegurança alimentar grave" (eufemismo por eufemismo, é como dizer que um sujeito, quando morre, não morre: sofre "parada completa das funções vitais que permitem sua sobrevivência").
Em termos mais amplos, o tamanho do problema também é de assustar. Quando se soma ao total dos que pura e simplesmente passam fome aqueles que padecem de "insegurança alimentar moderada" (sic) e "insegurança alimentar leve" (sic), chega-se a 65,6 milhões de cidadãos.
São pessoas que, em algum momento e em algum grau, não sabem se terão condições de comer o que é necessário para, pelo menos, enfrentar o batente do dia seguinte.
Funcionários da administração petista, ao apresentar os números, obviamente procuraram ressaltar "avanços" obtidos no setor. Comemoraram o fato de que, de 2004 a 2009, o número de brasileiros em estado de "segurança alimentar" (sic) cresceu 15,5%.
"É um ganho excepcional para um período tão curto. Em cinco anos, as pessoas não só tiveram uma vivência mais positiva de ter acesso ao alimento como aquela memória dos períodos mais adversos começa a desaparecer", pontificou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Rômulo de Souza.
Descontando-se o burocratês e supondo que os dados sejam confiáveis, houve, de fato, algum progresso. Mas muito menor do que se poderia esperar de um governo acostumado a alardear aos quatro ventos que iria erradicar a fome e a miséria por aqui.
Passivo tão impressionante mostra como programas do tipo Bolsa Família podem até alavancar campanhas eleitorais, mas são absolutamente insuficientes. Prova cabal: entre os lugares em que o quadro é de calamidade, aparecem o Maranhão e o Piauí.
Segundo a pesquisa, nesses dois Estados, situados em regiões mais favorecidas pelo programa, mais da metade das casas não tinham acesso a uma alimentação decente.
De nada adianta falar em crescimento chinês, exibir números vistosos de empregos ou trombetear supostas conquistas no cenário internacional. Enquanto houver tal quantidade de brasileiros preocupados com questões básicas como a fome (ou em ter "uma vivência mais positiva de ter acesso ao alimento"...), naquilo que interessa o país permanecerá na segunda ou terceira divisão.


RICARDO MELO é coordenador da Folha.com


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