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RICARDO MELO
Prato vazio
Abafados pelo ruído dos tiroteios no Rio, números impressionantes divulgados pelo IBGE correm o sério risco de
cair no esquecimento. Na sexta-feira, 27, informou-se que
nada mais, nada menos que 11
milhões de pessoas no país
passaram fome em 2009.
Como no Brasil nunca fica
bem chamar as coisas pelo nome, principalmente quando
se trata de assuntos de governo, esse contingente foi classificado como portador de "insegurança alimentar grave"
(eufemismo por eufemismo, é
como dizer que um sujeito,
quando morre, não morre: sofre "parada completa das funções vitais que permitem sua
sobrevivência").
Em termos mais amplos, o
tamanho do problema também é de assustar. Quando se
soma ao total dos que pura e
simplesmente passam fome
aqueles que padecem de "insegurança alimentar moderada" (sic) e "insegurança alimentar leve" (sic), chega-se a
65,6 milhões de cidadãos.
São pessoas que, em algum
momento e em algum grau,
não sabem se terão condições
de comer o que é necessário
para, pelo menos, enfrentar o
batente do dia seguinte.
Funcionários da administração petista, ao apresentar
os números, obviamente procuraram ressaltar "avanços"
obtidos no setor. Comemoraram o fato de que, de 2004 a
2009, o número de brasileiros
em estado de "segurança alimentar" (sic) cresceu 15,5%.
"É um ganho excepcional
para um período tão curto. Em
cinco anos, as pessoas não só
tiveram uma vivência mais positiva de ter acesso ao alimento como aquela memória dos
períodos mais adversos começa a desaparecer", pontificou
o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Rômulo de Souza.
Descontando-se o burocratês e supondo que os dados sejam confiáveis, houve, de fato,
algum progresso. Mas muito
menor do que se poderia esperar de um governo acostumado a alardear aos quatro ventos que iria erradicar a fome e
a miséria por aqui.
Passivo tão impressionante
mostra como programas do tipo Bolsa Família podem até
alavancar campanhas eleitorais, mas são absolutamente
insuficientes. Prova cabal: entre os lugares em que o quadro
é de calamidade, aparecem o
Maranhão e o Piauí.
Segundo a pesquisa, nesses
dois Estados, situados em regiões mais favorecidas pelo
programa, mais da metade
das casas não tinham acesso a
uma alimentação decente.
De nada adianta falar em
crescimento chinês, exibir números vistosos de empregos
ou trombetear supostas conquistas no cenário internacional. Enquanto houver tal
quantidade de brasileiros
preocupados com questões
básicas como a fome (ou em
ter "uma vivência mais positiva de ter acesso ao alimento"...), naquilo que interessa o
país permanecerá na segunda
ou terceira divisão.
RICARDO MELO é coordenador da Folha.com
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