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CLAUDIO ANGELO
Forrest Lula e a floresta tropical
No que diz respeito ao futuro da
Amazônia em 2006, o governo
Lula oscila entre dois personagens de
ficção: Forrest Gump e Charlie Brown.
O primeiro é o herói atrapalhado vivido por Tom Hanks no cinema, para
quem as coisas dão certo apesar dele
próprio. O segundo é a criação do cartunista Schultz, que, num episódio
clássico, começa uma corrida em último e assume a liderança de uma maneira inacreditável -só para pôr tudo
a perder no final.
A taxa de desmatamento de 2006 dirá qual é a melhor analogia. Em 2005,
o governo tem sido um Charlie Brown
no meio da prova: conseguiu reduzir o
crescimento da devastação em 30,5%.
Ações policiais como o combate à grilagem no Pará, a criação de unidades
de conservação em áreas de conflito e
a Operação Curupira foram os grandes responsáveis pelo "sprint".
Segundo uma avaliação preliminar
do Imazon (Instituto do Homem e
Meio Ambiente da Amazônia), as
ações de comando e controle tiveram
mais peso que a crise no agronegócio
na incrível redução de 95% no desmatamento em junho em Mato Grosso,
campeão de boi, soja e devastação.
Para 2006 o cenário é outro. Esgotada a cartada das ações espasmódicas
de comando e controle, o governo terá
de contar com o fator Forrest Gump:
esperar que a crise que continua a assombrar o setor agropecuário se reflita de maneira importante nas taxas de
desmatamento do ano que vem, o que
é esperado. É o necessário para manter a perda da maior floresta tropical
do mundo abaixo do imoral patamar
de 22 mil quilômetros quadrados por
ano, média do último qüinqüênio.
Isso porque as chamadas "ações estruturantes" do governo, que dariam
sustentabilidade ao desenvolvimento
local, estão caminhando a passos de
tracajá -e com a ministra Marina Silva carregando o casco sozinha.
Um exemplo é o Plano de Prevenção
e Controle do Desmatamento, que em
tese envolve 13 ministérios, sob coordenação da Casa Civil. A prioridade
dada pela mesma Casa Civil ao plano é
tão baixa que a ministra Dilma Rousseff não se dignou nem a comparecer
à sua última reunião de avaliação, em
meados deste mês, o que fez as ONGs
presentes abandonarem o encontro.
Obras de infra-estrutura, como o
complexo hidrelétrico do Madeira e a
pavimentação da BR-319 (rodovia
Manaus-Porto Velho), que em ano
eleitoral sempre são aceleradas, também devem entrar no caminho da floresta em 2006. A primeira é menina
dos olhos de Dilma, que quer vê-la
pronta a qualquer custo. A última é
questão de honra para o ministro dos
Transportes, o amazonense Alfredo
do Nascimento (PL), possível candidato ao governo do Estado no ano que
vem. O eixo da 319 é uma das novas
frentes da grilagem de terras.
Por fim, aquilo que seria o grande legado de Lula para a Amazônia, o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, foi derrotado no Senado no
tempo regulamentar e seu destino depende agora da convocação extraordinária. Se não passar, o governo veste a
fantasia de Charlie Brown: não poderá
implementar em 2006 suas políticas
para o setor florestal, com o resultado
previsível de bloqueios de estrada e incêndios de escritórios do Ibama pelos
madeireiros, que não silenciarão suas
motosserras em condescendência.
Claudio Angelo é editor de Ciência. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Antonio Delfim Netto, que escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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