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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O caso Abdelmassih
SÃO PAULO - Vamos começar fazendo três perguntas: 1. Quantas
pessoas estão encarceradas hoje no
país, em regime de prisão preventiva, sem que ainda tenham sido julgadas? 2. Quantas, entre as pessoas
que se encontram nessa condição,
chegam a ter seus pedidos de soltura apreciados pelo Supremo Tribunal Federal? 3. E quantas conseguem ver seu caso atendido em apenas quatro meses pelo presidente
da mais alta corte do país?
A resposta talvez conduza à conclusão de que o doutor Roger Abdelmassih é um homem de sorte.
Ou que pagou os advogados certos.
O jornal "Le Monde" tinha razão,
mas pegou leve ao dizer que nosso
Judiciário é "preguiçoso". Às vezes,
só às vezes, é ágil até demais.
O habeas corpus de Gilmar Mendes, que, no recesso da Justiça, libertou o médico acusado de molestar sexualmente pelo menos 39
mulheres, causa óbvio mal-estar.
As vítimas (supostas?) depositavam na expertise do doutor a esperança de engravidar -e a situação
de vulnerabilidade física e emocional em que foram atacadas, conforme os relatos, confere ao escândalo
feição especialmente repugnante.
Os leigos estão cobertos de razão
ao manifestar indignação diante da
decisão judicial, não obstante suas
"razões técnicas". Mendes sustenta
que a prisão preventiva não pode
representar a "antecipação da pena". Tem sido uma das suas brigas.
Mas podemos inverter o raciocínio e indagar se o Judiciário, refém
e cúmplice das chicanas de advogados "influentes", não patrocina,
com suas peças intermináveis, um
patético teatro da impunidade?
Não há como fugir à evidência revoltante de que, tendo dinheiro e/
ou fama -e advogados a preço de
ouro-, o sujeito, não importa o que
tenha feito de terrível, cedo ou tarde se dá bem. Sim, sabemos que cabe à Justiça zelar pelos direitos dos indivíduos contra o clamor às vezes
cego da maioria. Mas nossa prática
jurídica não raro invoca esse princípio para dar guarida aos aspectos
mais abomináveis do privilégio.
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