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MARINA SILVA
Janeiro por inteiro
EM BREVE entraremos em janeiro, mês que recebeu esse
nome em homenagem a Janus, que na mitologia romana é o
deus dos inícios. Representado por
duas faces em oposição, olha também para o que é findo, para o passado. É o encarregado de abrir a
porta para o novo, mas lembrando
sempre que as portas têm simultaneamente dois lados: a entrada é ao
mesmo tempo a saída.
Sob a metáfora de Janus entramos em 2010, um ano como poucas
vezes se viu na política brasileira,
tantos são os significados presentes, de passado e de futuro. Alguns
dos protagonistas desse ano incomum tentam o impossível. No cenário meticulosamente engendrado pelas duas principais candidaturas oficiosas, de situação e de
oposição, Janus está subtraído de
uma de suas caras, condenado a ter
recortada de sua substância divina
a metade da saída, do novo.
A intenção parece ser apenas
medir os dois passados, mesmo em
prejuízo do futuro que nos une.
Quer-se passar pela porta sem
abri-la. Assim, o Janus mutilado da
política brasileira fica incompleto
para exercer sua função de integrar
num mesmo sistema o status quo e
a mudança, o ido e o porvir. Em lugar da refinada reflexão mitológica
sobre o momento de passagem, entra a soberba imposição de uma
queda de braço entre autoavaliações hiperbólicas, a competição
entre quem fez mais e melhor aos
próprios olhos, como se essa satisfação narcísica fosse um fim em si
mesma, acima de tudo, inclusive do
próprio país.
A isso se reduziu a política? Perdida sua capacidade de antecipar o
futuro, é apenas uma contabilidade
forçosamente distorcida entre projetos publicitários de poder, onde o
enaltecer-se às vezes se sobrepõe
ao reconhecimento do continuum
que nos trouxe até aqui e das alternativas para seguir adiante.
O Brasil não pode aceitar esse jogo reducionista e vaidoso, preocupado apenas em medir o passado,
sem instrumentos que permitam
projetá-lo para o futuro e fazer escolhas. Jogo no qual há que se adotar um lado ou outro, de forma maniqueísta, como se fossem depositários excludentes de todas as virtudes. Saindo da mitologia romana
para o ensinamento bíblico do livro
de "Gênesis", de tanto olhar para
trás podemos nos condenar a virar
estátua de sal, como no triste episódio da mulher de Ló.
É preocupante a tentativa de
subtrair dos cidadãos a autonomia
para fazer suas escolhas, porque o
que lhes está sendo apresentado
não é a informação completa e necessária para assumir a plena responsabilidade pela decisão tomada. O que podemos desejar para
2010 é, no mínimo, que Deus nos
ajude a ultrapassar o portal do futuro com nossos próprios pés.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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