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ANTONIO DELFIM NETTO
Lula não falava javanês
O périplo Porto Alegre-Davos do
presidente Lula foi um inegável
sucesso político. Mais do que qualquer outra ação, ele revela a verdade
profunda do abafado grito de um manifestante no Fórum Social Mundial:
"Não foi o PT que mudou o mundo,
foi o mundo que mudou o PT". Há
ainda uma juventude generosa que
não se conforma com o desenrolar
histórico. Insiste em querer mudar o
mundo com métodos totalitários a
serviço de ingênuas utopias igualitárias. Desconhecendo os mecanismos
do relógio, pensa que ele pode ser um
termômetro ou um barômetro! A simétrica estupidez de 1968 deveria ter
nos convencido de que, se os que agora estão no poder graças ao carisma, à
inteligência e à paciência de um harmonizador nato tivessem chegado lá
pela força naquele momento, seríamos hoje apenas uma grande Cuba:
igualitária, miserável, ineficiente e
submissa a um decrépito ditador que
prepara o seu "irmão" mais novo para
continuar a sua obra. E não seria Lula!
Ao contrário, tendo chegado ao poder pelo voto de mais de 50 milhões de
brasileiros, o presidente pode circunavegar de Porto Alegre a Davos, entre o
Fórum "Social" e o "Econômico". Levou a cada um deles os problemas do
outro, sugerindo a esperança numa
solução conjunta. As dúvidas que assaltavam alguns círculos literomaníacos porque o presidente não falava
corretamente o "javanês" se dissiparam. Em lugar das comédias de filosofia política transcendental com que
costumávamos nos apresentar, chamamos a atenção para a dura e séria
tragédia da pobreza e da fome que
sempre acompanharam o capitalismo
como mostra a história desde o século
17.
O fato fundamental é que ele (o capitalismo) foi o agente mais revolucionário da história (como sabia o velho
Marx). Foi ele gerador e gerado, ao
mesmo tempo, pela revolução produtiva e tecnológica que triplicou a expectativa de vida ao nascer entre 1700
e 2000. É evidente, também, que reduziu a pobreza nos países realmente capitalistas. É o Brasil um país realmente
capitalista? Há dúvidas! A mensagem
que ligou os dois fóruns é que é preciso conciliar a eficiência produtiva e a
liberdade natural do capitalismo ao
anseio de igualdade que caracteriza o
socialismo. Não se trata de destruir
nada. Trata-se de dar um passo à frente, corrigindo as grandes desigualdades não apenas "dentro" dos países,
mas principalmente "entre" os países.
Aquele já era o objetivo de Luiz Inácio Lula da Silva antes de ser presidente. Eis o que ele disse na "orelha" do livro "Introdução à Economia Solidária", do professor Paulo Singer: "Para
as pessoas como eu, que nunca acreditaram na viabilidade de um socialismo em que o Estado tudo decide, nem
conseguem imaginar uma sociedade
baseada no igualitarismo absoluto
que anestesia o impulso de cada um
de nós... Para pessoas como eu, adversárias de um certo discurso que aponta que os problemas do trabalhador só
serão resolvidos no dia da grande
transformação, este livro mostra de
maneira convincente que a sociedade
justa por que lutamos precisa ser
construída já, na barriga do atual sistema".
O supremo pecado do PT-jacobino
(que não ganhou a eleição, mas reivindica o poder!) foi ter desperdiçado, na
agressão lamentável ao seu presidente, o bolo que poderia alimentar um
pobre...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br
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