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São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Lula não falava javanês

O périplo Porto Alegre-Davos do presidente Lula foi um inegável sucesso político. Mais do que qualquer outra ação, ele revela a verdade profunda do abafado grito de um manifestante no Fórum Social Mundial: "Não foi o PT que mudou o mundo, foi o mundo que mudou o PT". Há ainda uma juventude generosa que não se conforma com o desenrolar histórico. Insiste em querer mudar o mundo com métodos totalitários a serviço de ingênuas utopias igualitárias. Desconhecendo os mecanismos do relógio, pensa que ele pode ser um termômetro ou um barômetro! A simétrica estupidez de 1968 deveria ter nos convencido de que, se os que agora estão no poder graças ao carisma, à inteligência e à paciência de um harmonizador nato tivessem chegado lá pela força naquele momento, seríamos hoje apenas uma grande Cuba: igualitária, miserável, ineficiente e submissa a um decrépito ditador que prepara o seu "irmão" mais novo para continuar a sua obra. E não seria Lula!
Ao contrário, tendo chegado ao poder pelo voto de mais de 50 milhões de brasileiros, o presidente pode circunavegar de Porto Alegre a Davos, entre o Fórum "Social" e o "Econômico". Levou a cada um deles os problemas do outro, sugerindo a esperança numa solução conjunta. As dúvidas que assaltavam alguns círculos literomaníacos porque o presidente não falava corretamente o "javanês" se dissiparam. Em lugar das comédias de filosofia política transcendental com que costumávamos nos apresentar, chamamos a atenção para a dura e séria tragédia da pobreza e da fome que sempre acompanharam o capitalismo como mostra a história desde o século 17.
O fato fundamental é que ele (o capitalismo) foi o agente mais revolucionário da história (como sabia o velho Marx). Foi ele gerador e gerado, ao mesmo tempo, pela revolução produtiva e tecnológica que triplicou a expectativa de vida ao nascer entre 1700 e 2000. É evidente, também, que reduziu a pobreza nos países realmente capitalistas. É o Brasil um país realmente capitalista? Há dúvidas! A mensagem que ligou os dois fóruns é que é preciso conciliar a eficiência produtiva e a liberdade natural do capitalismo ao anseio de igualdade que caracteriza o socialismo. Não se trata de destruir nada. Trata-se de dar um passo à frente, corrigindo as grandes desigualdades não apenas "dentro" dos países, mas principalmente "entre" os países.
Aquele já era o objetivo de Luiz Inácio Lula da Silva antes de ser presidente. Eis o que ele disse na "orelha" do livro "Introdução à Economia Solidária", do professor Paulo Singer: "Para as pessoas como eu, que nunca acreditaram na viabilidade de um socialismo em que o Estado tudo decide, nem conseguem imaginar uma sociedade baseada no igualitarismo absoluto que anestesia o impulso de cada um de nós... Para pessoas como eu, adversárias de um certo discurso que aponta que os problemas do trabalhador só serão resolvidos no dia da grande transformação, este livro mostra de maneira convincente que a sociedade justa por que lutamos precisa ser construída já, na barriga do atual sistema".
O supremo pecado do PT-jacobino (que não ganhou a eleição, mas reivindica o poder!) foi ter desperdiçado, na agressão lamentável ao seu presidente, o bolo que poderia alimentar um pobre...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br


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