São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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REFÉM DA CREDIBILIDADE

A economia brasileira teve retração de 0,2% em 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que é a divisão da riqueza produzida no país pelo número de habitantes, caiu 1,5%, considerando uma estimativa de crescimento populacional de 1,3%. A retração, a pior desde 1992, foi fruto das políticas monetárias e fiscais contracionistas adotadas pela nova equipe econômica para debelar a forte crise de confiança que cercou a eleição e a posse do governo petista.
Por mais que se considere que não haveria saída indolor para a crise, é impossível, em nome dos resultados obtidos, ignorar as conseqüências nocivas das políticas adotadas, de perfil inequivocamente conservador.
O ajuste promovido causou desemprego, queda na renda do trabalhador e retração da atividade produtiva. O consumo das famílias caiu 3,3% e a indústria de construção civil encolheu 8,6%. Os investimentos tiveram queda de 6,6%. As exportações foram o único setor dinâmico, com expansão de 14,2%, impulsionando a agropecuária e a extração mineral.
O modelo de política econômica do governo Lula permaneceu o mesmo que havia sido definido em consonância com o Fundo Monetário Internacional após a crise cambial de janeiro de 1999. A economia continua ancorada em três pilares: superávit primário (de 4,25% do PIB) para reduzir o endividamento do setor público, taxa de juro básica elevada (16,5% ao ano) para atingir a meta de inflação (de 5,5% em 2004) e taxa de câmbio flutuante com livre movimentação de capitais para tentar consolidar as contas externas.
Após o surto de expansão ocorrido entre 1994 e 1997, que acompanhou o início do plano de estabilização monetária, a economia brasileira passou a apresentar um padrão descontínuo de expansão, apelidado por alguns de "stop and go" ou "vôo da galinha". Em 1998 e 1999, o crescimento foi, respectivamente, de 0,1% e 0,8%. Em 2000, ele atingiu 4,4%, mas a taxa caiu para 1,3% em 2001, com o racionamento de energia.
Durante o decênio 1994-2003, a expansão média anual da economia foi de 2,4%, enquanto a do PIB per capita ficou em 1%. São resultados pífios para um país que no século 20 sustentou durante décadas um crescimento médio anual de 7%.
Não se vislumbra a possibilidade de que a economia brasileira encontre dentro do atual modelo condições para reencontrar um padrão de crescimento sustentado que coloque o país numa trajetória estável e duradoura de desenvolvimento. Os riscos de crises cambiais permanecem, bem como suas repercussões sobre a inflação. Não se observam tampouco sinais de que novos investimentos serão realizados em volume suficiente para enfrentar o desemprego.
Os recentes movimentos do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, interrompendo o processo de queda da taxa de juros, parecem confirmar que o crescimento em 2004 dificilmente ultrapassará a casa dos 3,5%, marca medíocre dada a baixa base de 2003. A reversão das expectativas causada pela política do BC de concentrar-se no cumprimento estrito de uma duvidosa meta de inflação parece estar contaminando negativamente as decisões de investimento dos empresários.
Não bastassem esses aspectos pouco animadores, são enfáticos os sinais de que novos sobressaltos cambiais estão a caminho, bastando para isso que os EUA voltem a elevar sua taxa de juros, atualmente em 1%, o que deverá provocar a saída de capitais especulativos hoje aplicados em Bolsa e títulos do governo brasileiro.
Lamentavelmente, ao optar por "construir credibilidade" abraçando de forma ortodoxa a agenda dos mercados financeiros, o governo petista abdicou das mudanças prometidas e tornou-se refém do compromisso assumido. Com isso vão se frustrando as esperanças de que a economia possa, enfim, transitar da lógica financista para a esperada ênfase na produção e no emprego.



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