São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma nova Lei de Imprensa

VILMAR ROCHA

O papel da imprensa em uma democracia exige um estatuto próprio, que tanto a proteja quanto deixe claras as suas responsabilidades

A TRANSIÇÃO brasileira do autoritarismo militar para a democracia é um caso clássico de transição em que a nova ordem conserva uma quantidade imoderada de elementos da velha, um enorme entulho autoritário, uma democracia muito imperfeita. Pior ainda: passados quase 25 anos desde que o poder transitou de mãos militares para mãos civis, verificamos que pouco se fez. A liderança política do país se esteriliza em lutas de poder e não tem tido coragem ou discernimento -ou ambas as coisas- para cumprir seus deveres legislativos em relação à modernização da democracia brasileira.
Criou-se um vácuo de poder, e o Judiciário cuidou de ocupá-lo, mediante julgamentos de constitucionalidade.
É o caso da Lei de Imprensa, uma das piores peças do entulho autoritário, aprovada pelo Congresso em plena ditadura militar e 21 anos antes da Constituição de 88. É impressionante tanta inércia política, ademais em algo tão fundamental para a democracia como é a liberdade de imprensa.
Nós, agentes políticos, comungamos da crença na indispensabilidade da liberdade de imprensa para a garantia dos direitos da cidadania. Não há razão para descrer-se na sinceridade dessa convicção, tão ostensivamente proclamada nas ocasiões em que vem ao caso. E tem vindo freqüentemente no governo do PT, com repetidas tentativas de imposição de regras restritivas. No entanto, o que tem prevalecido é a inércia legislativa.
Nesse contexto, é inevitável que o Judiciário atue. No caso, atuou por intermédio do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos de 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
Peço licença para dizer que não fui omisso. Em agosto de 1997, depois de um longo debate no Congresso e na sociedade, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por unanimidade, um substitutivo de minha autoria estabelecendo uma nova Lei de Imprensa.
Decidi, de começo, revogar "in limite" a Lei de Imprensa vigente, propondo um novo estatuto, em vez de deixar aos códigos Penal e Civil os assuntos de que ela trata. O papel da imprensa na democracia pede um estatuto próprio, que tanto a proteja quanto deixe claras suas responsabilidades. E os códigos não captam a especificidade do que se deseja.
Um exemplo é o direito de resposta, disciplinado em meu projeto, algo indispensável como contrapartida do direito de publicar do comunicador. Lembro ainda que vários países convivem com leis especiais de imprensa.
O conteúdo de minha proposta dá plena resposta às questões levantadas pela decisão do ministro Carlos Ayres Britto. Ele decidiu em face de pedido que denunciou uma estratégia da Igreja Universal do Reino de Deus contra quatro jornais, incluindo a Folha de S.Paulo. A igreja orientou fiéis a propor ações em cidades e Estados diferentes, tornando impraticável a defesa, pois dela se exige onipresença. Essa iniciativa claramente conspira contra a liberdade de expressão e, por via de conseqüência, é inconstitucional. Em seu artigo 31, o projeto de minha autoria prevê que "o foro competente para o ajuizamento de quaisquer ações previstas nesta lei é o da sede do meio de comunicação social responsável pela publicação ou de suas sucursais".
Do ponto de vista político, o que está em questão é a tensão permanente decorrente da instabilidade institucional e jurídica entre os meios de comunicação e a sociedade brasileira, representada pelo Congresso Nacional. A situação atual é juridicamente caótica e imprecisa. Falta clareza na legislação e falta pacificação de conceitos e princípios que possam dar aos cidadãos e aos meios de comunicação a mínima previsibilidade das decisões judiciais, condição essencial para a segurança jurídica e para o Estado democrático de Direito.
Não é fácil a conciliação entre a liberdade de expressão e a garantia dos direitos de resguardo da vida privada, da imagem, da honra e da intimidade, constitucionalmente estabelecidos.
Não é fácil, mas é possível. A nova Lei de Imprensa sistematiza a legislação e, mais do que isso, a moderniza. Ela dá resposta às perguntas que a conjuntura levanta agora.
O substitutivo de minha autoria está pronto para ser incluído na pauta de votação da Câmara. Só depende de coragem e grandeza. Com isso, para além da questão da democracia e da imprensa, daríamos mais energia à remoção do entulho autoritário.


VILMAR ROCHA é professor de direito constitucional da Universidade Federal de Goiás. Foi deputado federal (DEM-GO) de 1993 a 2007 e relator do projeto de substitutivo da Lei de Imprensa.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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