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TENDÊNCIAS/DEBATES
Por uma nova Lei de Imprensa
VILMAR ROCHA
O papel da imprensa em uma democracia exige um estatuto próprio, que tanto a proteja quanto deixe claras as suas responsabilidades
A TRANSIÇÃO brasileira do autoritarismo militar para a democracia é um caso clássico de
transição em que a nova ordem conserva uma quantidade imoderada de
elementos da velha, um enorme entulho autoritário, uma democracia muito imperfeita. Pior ainda: passados
quase 25 anos desde que o poder transitou de mãos militares para mãos civis, verificamos que pouco se fez. A liderança política do país se esteriliza
em lutas de poder e não tem tido coragem ou discernimento -ou ambas as
coisas- para cumprir seus deveres legislativos em relação à modernização
da democracia brasileira.
Criou-se um vácuo de poder, e o Judiciário cuidou de ocupá-lo, mediante
julgamentos de constitucionalidade.
É o caso da Lei de Imprensa, uma das
piores peças do entulho autoritário,
aprovada pelo Congresso em plena
ditadura militar e 21 anos antes da
Constituição de 88. É impressionante
tanta inércia política, ademais em algo tão fundamental para a democracia como é a liberdade de imprensa.
Nós, agentes políticos, comungamos da crença na indispensabilidade
da liberdade de imprensa para a garantia dos direitos da cidadania. Não
há razão para descrer-se na sinceridade dessa convicção, tão ostensivamente proclamada nas ocasiões em
que vem ao caso. E tem vindo freqüentemente no governo do PT, com
repetidas tentativas de imposição de
regras restritivas. No entanto, o que
tem prevalecido é a inércia legislativa.
Nesse contexto, é inevitável que o Judiciário atue. No caso, atuou por intermédio do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos de 20
dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
Peço licença para dizer que não fui
omisso. Em agosto de 1997, depois de
um longo debate no Congresso e na
sociedade, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por
unanimidade, um substitutivo de minha autoria estabelecendo uma nova
Lei de Imprensa.
Decidi, de começo, revogar "in limite" a Lei de Imprensa vigente, propondo um novo estatuto, em vez de
deixar aos códigos Penal e Civil os assuntos de que ela trata. O papel da imprensa na democracia pede um estatuto próprio, que tanto a proteja
quanto deixe claras suas responsabilidades. E os códigos não captam a especificidade do que se deseja.
Um
exemplo é o direito de resposta, disciplinado em meu projeto, algo indispensável como contrapartida do direito de publicar do comunicador.
Lembro ainda que vários países convivem com leis especiais de imprensa.
O conteúdo de minha proposta dá
plena resposta às questões levantadas
pela decisão do ministro Carlos Ayres
Britto. Ele decidiu em face de pedido
que denunciou uma estratégia da
Igreja Universal do Reino de Deus
contra quatro jornais, incluindo a Folha de S.Paulo. A igreja orientou fiéis
a propor ações em cidades e Estados
diferentes, tornando impraticável a
defesa, pois dela se exige onipresença. Essa iniciativa claramente conspira contra a liberdade de expressão e,
por via de conseqüência, é inconstitucional. Em seu artigo 31, o projeto
de minha autoria prevê que "o foro
competente para o ajuizamento de
quaisquer ações previstas nesta lei é o
da sede do meio de comunicação social responsável pela publicação ou
de suas sucursais".
Do ponto de vista político, o que está em questão é a tensão permanente
decorrente da instabilidade institucional e jurídica entre os meios de comunicação e a sociedade brasileira,
representada pelo Congresso Nacional. A situação atual é juridicamente
caótica e imprecisa. Falta clareza na
legislação e falta pacificação de conceitos e princípios que possam dar
aos cidadãos e aos meios de comunicação a mínima previsibilidade das
decisões judiciais, condição essencial
para a segurança jurídica e para o Estado democrático de Direito.
Não é fácil a conciliação entre a liberdade de expressão e a garantia dos
direitos de resguardo da vida privada,
da imagem, da honra e da intimidade,
constitucionalmente estabelecidos.
Não é fácil, mas é possível. A nova Lei
de Imprensa sistematiza a legislação
e, mais do que isso, a moderniza. Ela
dá resposta às perguntas que a conjuntura levanta agora.
O substitutivo de minha autoria está pronto para ser incluído na pauta
de votação da Câmara. Só depende de
coragem e grandeza. Com isso, para
além da questão da democracia e da
imprensa, daríamos mais energia à
remoção do entulho autoritário.
VILMAR ROCHA é professor de direito constitucional da
Universidade Federal de Goiás. Foi deputado federal
(DEM-GO) de 1993 a 2007 e relator do projeto de substitutivo da Lei de Imprensa.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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