São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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A melhor parte

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Leitor de Eça de Queiroz, com várias releituras de seus romances, sempre fiquei agoniado quando, em ""Os Maias", a mulher que todos cobiçavam teve um acidente com o ferro de passar roupa e queimou uma região do corpo, não identificada pelo romancista.
Toda Lisboa ficou preocupada. No círculo mais aristocrático da cidade, um velho diplomata, vivido e sofrido no mundo e nas mulheres, veio a saber que o estrago fora feito na altura dos quadris. Onde, exatamente, ninguém sabia.
Penalizado, o velho fauno suspirou: ""Na melhor parte, sei o que estou dizendo, na melhor parte..." (estou citando de memória, as palavras podem não ser essas).
Minha agonia era dupla: primeiro, por não saber em que altura dos quadris o ferro em brasa queimara a mulher; segundo, e principalmente, qual seria essa melhor parte de uma mulher, não da heroína de Eça, mas de qualquer mulher.
Aliás, não tenho certeza se o Eça usou a palavra ""parte" ou ""naco". Acho que naco é mais suculento.
Mas que naco seria esse? Dando de barato que o velho sátiro fosse um entendido, deve-se supor que ele sabia o que estava dizendo. Volta e meia, me surpreendo pensando nesse trecho de ""Os Maias" e descubro que, ao contrário do fauno inventado pelo Eça, eu vou mudando de opinião de acordo com o tempo, a oportunidade e a mulher.
Quanto à oportunidade, quando se tem a mulher inteira, todos os pedaços parecem bons. Quanto ao tempo, quando era jovem, o que mais me atraía eram o rosto, os cabelos, os olhos, o modo de andar. Com a chegada dos anos, acho que fui ficando parecido com o sátiro do Eça e aos poucos me fixei provavelmente na mesma região avariada pelo ferro de passar roupa.
Finalmente, quanto à mulher, ela nem sempre necessita ter parte alguma, ou melhor, nem é parte. É um todo que constitui o melhor.


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