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Editoriais
Fausto tropical
A OBSESSÃO do Itamaraty
por uma vaga permanente
no Conselho de Segurança
da ONU está levando a diplomacia brasileira a agir como um
Fausto dos trópicos, que negocia
sua reputação em troca de apoio
para aquela veleidade.
A última do Ministério das Relações Exteriores foi aceitar o
convite de Robert Mugabe, ditador do Zimbábue, para atuar como observador das eleições gerais de hoje. É natural que o regime desta antiga colônia britânica
no sul da África procure legitimar a farsa eleitoral que prepara
solicitando a presença de monitores de países que considera
"neutros", ou seja, que não condenarão o pleito ou se limitarão a
críticas leves. Já é bem pouco lisonjeiro que o Brasil tenha sido
incluído nessa lista, mas é a aceitação do convite por parte de
Brasília que se afigura patética.
O tamanho da encrenca em
que o Itamaraty se meteu pode
ser medido pelas dúvidas em torno do processo eleitoral. A primeira delas diz respeito à própria condição de Mugabe como
favorito. Os principais legados de
sua administração são uma hiperinflação de 100.000% ao ano e,
com o auxílio da Aids, uma redução da expectativa de vida de 60
(1990) para 37 anos. Já seria surpreendente que o líder de um governo com esse currículo tivesse
um mísero voto; que tenha a preferência de 57% dos eleitores, como indicam as "pesquisas", parece uma pilhéria.
Os indícios de fraude são abundantes. O governo mandou imprimir 9 milhões de cédulas, embora só haja 5,9 milhões de eleitores registrados. O excedente,
alega-se, é para evitar "falta". A
polícia foi autorizada a entrar
nas seções eleitorais para "ajudar" os eleitores analfabetos.
É o caso de perguntar por que
Mugabe se dá ao trabalho de organizar um pleito. Afinal, os comandantes do Exército, da polícia e da guarda penitenciária
(força paramilitar) já disseram
em alto e bom som que não permitirão a derrota do ditador.
A situação fica ainda mais
constrangedora para o Itamaraty quando se consideram os
demais países escolhidos para
monitorar a eleição. Trata-se de
verdadeiros "campeões da democracia" como China, Venezuela, Irã, Rússia, Sudão, Líbia e
Egito. Observadores dos EUA e
da UE foram proibidos de entrar
no Zimbábue. É que, segundo
Mugabe, eles não são "neutros".
O Itamaraty deveria poupar o
Brasil de tanta "neutralidade".
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