São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Quem não se comunica se trumbica

JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO


Insisto em que as TVs públicas deveriam fazer uma grande reflexão sobre os seus objetivos e os seus resultados


LEVANTAMENTOS do Ibope mostram que, em números absolutos, a TV Cultura está entre as emissoras menos vistas de São Paulo. Penso que, em grande parte, isso se deve ao fato de que os veículos da Fundação Padre Anchieta são tratados como laboratórios de experiências no que se refere à programação. De fato, nunca se soube que naquela emissora programas entrassem e saíssem do ar em razão de algum levantamento que mostrasse a existência de um público (potencial) consumidor. Historicamente, é o voluntarismo, a opinião e o gosto pessoal que definem a programação.
Não foram, portanto, os atuais dirigentes que inauguraram esse estilo de gestão, mas espero que eles tenham sensibilidade para compreender que é preciso começar a mudar a situação. Insisto em que as TVs públicas deveriam fazer uma grande reflexão sobre os seus objetivos e os seus resultados em meio à opinião pública.
A diretora de jornalismo de uma TV pública escreveu um artigo que ocupou um quarto de página de um jornal para mostrar a excelência da programação da emissora, cuja audiência, se existe, também é próxima de zero. E afirma, como quem não tem dúvidas, que quem não gosta é quem não vê.
Alguns dias depois, o mesmo jornal publicou cartas de leitores que discordavam daquela articulista. Isso mostra que a percepção dos dirigentes é, muitas vezes, diferente da percepção do público, e, como é para este que se faz televisão, em principio é ele quem tem razão.
Sou capaz de entender que certos programas devam ter a sua importância medida por outros critérios, aos quais se adicionará o da audiência. Entretanto, pretender convencer, por meio de raciocínios transversos, que, para a TV Cultura, a audiência é uma questão de somenos importância parece exercício de acadêmicos e intelectuais com o qual o senso médio não consegue concordar.
De repente, passou-se a fazer crer que a TV Cultura não tem audiência exatamente por apresentar uma programação altamente diferenciada. Discordo. Qualidade e audiência não se excluem, mas, ao contrário, são o verso e o reverso de uma mesma moeda. Além disso, sendo a televisão um meio de comunicação de massas que entra compulsoriamente e de graça na casa de milhões de brasileiros, se eles não a assistem é porque alguma coisa está errada.
Nesse caso, de nada adianta o argumento de que ela apresenta programas que não têm espaço nas emissoras comerciais, porque, sem audiência, ela não consegue cumprir o seu papel de veículo de difusão cultural e educacional. Sugerir, portanto, que os que defendem a audiência estariam pretendendo que se façam concessões ao popularesco ou a programas que descumpram a finalidade da TV é, no mínimo, perigoso, pois pode incentivar o imobilismo, que nem os atuais dirigentes desejam, e desqualificar as críticas daqueles que estão legitimamente preocupados com a situação de indigência que as emissoras públicas vivem em matéria de audiência.
Insisto em que, para definir a programação da TV, dever-se-ia procurar saber, em primeiro lugar, se há público para o conteúdo que se pretende oferecer e, em havendo, apresentá-lo de maneira interessante e inteligente, tanto no formato quanto na linguagem e na estética. É por isso que defendo que esse trabalho seja conferido a profissionais contratados exclusivamente pela sua notória capacitação.
Quando falo da reforma do conselho, faço-o por acreditar que é preciso ter a coragem de discutir se o seu formato não está superado, tanto do ponto de vista do número de seus componentes quanto da representatividade da sociedade e do poder público, bem como das competências que lhe são atribuídas. Não tenho uma ideia preconcebida a respeito de como deveria ser.
Mas insisto em colocar o tema como proposta de reflexão e discussão sobre o assunto, porque acho que, se necessário, mudanças devem ser feitas, desde que possam contribuir para a melhoria da TV Cultura e da Fundação Padre Anchieta.

JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO, 65, advogado especializado em direito administrativo e procurador aposentado, é conselheiro da Fundação Padre Anchieta, secretário de Relações Institucionais do governo do Estado de São Paulo e presidente do Diretório Municipal do PSDB-SP. Foi presidente do Memorial da América Latina e assessor especial do governo de SP (gestão Alckmin).


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